"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014


«A história é um processo orgânico: é algo vivo, que está sempre em movimento e é mutante, que nunca se detém. A história, há que vê-la como um todo no qual o passado é inseparável do presente, pois as marcas deste se encontram assentadas de uma maneira indelével naquele, da mesma maneira que o futuro depende do que estamos fazendo agora mesmo».
JUVENAL HERRERA TORRES
La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 21 de agosto de 2014
Senhores integrantes da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas:
Nossa saudação de compatriotas com a esperança de paz para a Colômbia.
O processo de paz dá um salto qualitativo no caminho da reconciliação, ao instalar hoje em Havana a “Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas” como cenário chave para o esclarecimento da verdade, a partir da auscultação das origens, causas, efeitos e responsabilidades que ambientam o desenvolvimento da confrontação política, econômica, social e armada derivada da miséria, da desigualdade e da carência de democracia que caracterizaram a vida nacional por mais de meio século.
Desde que se iniciaram os diálogos aqui em Havana, insistimos em forma reiterada acerca da importância da composição imediata de uma Comissão de tais características, porque éramos e somos conscientes do significado que têm as aproximações à história para conquistar uma compreensão não só da complexidade do conflito que enfrentamos durante décadas de alçamento armado contra o Estado e as classes dominantes como também, sobretudo, para empreender caminhos para sua superação, que, em nosso entender, não são outros que os da construção da paz com justiça social. Finalmente, as Partes acordamos no último 7 de junho pôr em marcha a Comissão.
Não vamos recuperar o valioso lapso perdido, transcorrido desde a formulação da proposta até o acordo que a tornou possível. Com certeza, o trabalho da Comissão não estaria submetido às pressões que se impõem a um processo que avança com passo firme, apesar das contínuas ameaças que resultam de fazer ouvidos moucos ao clamor por um cessar-fogo bilateral e a existência de um bloco político e de opinião obcecado na continuidade indefinida da guerra. Tudo isso, como uma expressão da concepção, quando menos equivocada, de que se estaria frente a uma submissão da insurgência, em forma similar ao ocorrido em outros momentos históricos com outras forças guerrilheiras derrotadas.
Num país em que impera a manipulação midiática da opinião e a recorrente falsificação da história, como se esta fosse uma história dos vencedores, apreciamos o imenso valor do trabalho e da reflexão intelectual. Confiamos nas armas da razão, da ciência da história e das ciências sociais em geral. Com independência dos diferentes enfoques e perspectivas teóricas que as caracterizam, com certeza representadas na pluralidade desta Comissão, estamos convencidos de que deve ser possível construir um relato sobre o conflito colombiano que nos aproxime da verdade histórica. Uma verdade que não entendemos em termos absolutos, senão que como expressão do antagonismo e da conflitividade que essencialmente caracteriza a formação política, econômica, social e cultural de nossa sociedade.
A construção do dito relato, ademais de um invejável e privilegiado exercício do intelecto que pode lançar novas luzes para renovadas interpretações de nossa história, que superem visões parcializadas até agora predominantes, ou que abra veredas para incursionar na investigação de campos desatendidos, insuficientemente tratados, ou analisados enviezadamente, se constitui em ferramenta potente e marco de referência inevitável de assuntos pendentes de abordar na Mesa de diálogos, particularmente daqueles que, para nós, são caros em forma suprema: a materialização dos direitos das vítimas do conflito à verdade, à justiça, à reparação e às garantias de não repetição e, com isso, a contribuição a assentar as bases para avançar para a reconciliação nacional no evento da firma de um Acordo final.
Vai na contramão da sindérese e de análise sensatas da história a pretensão de considerar que as FARC-EP inventamos uma guerra contra a sociedade, que representamos uma máquina de vitimização e em consequência podemos ser consideradas como uma organização de vitimários. E, portanto, devemos assumir a responsabilidade do sucedido ao longo do conflito, incluídos os múltiplos processos e fatos de vitimização. Semelhante revisão e falseamento da história torna inaceitável para nós
Sem prejuízo dos diversos enfoques que haja sobre nosso lugar na história, consideramos que existe suficiente evidência, proveniente de fontes documentais, testemunhais e historiográficas, demonstrativa das causas estruturais, políticas, econômicas, sociais, culturais e ideológicas que produziram o levantamento armado contra o Estado e as classes dominantes. E que, ademais, explicam sua persistência e continuidade, configurando fases, facetas e dinâmicas regionais. Para nós outros e nós outras é igualmente demonstrável, com base nas ferramentas que brindam a disciplina da história e das ciências sociais, que, junto com o que definimos como as causas e os fatores de índole sistêmica, de caráter objetivo, existiram fatores subjetivos imputáveis às atuações do Estado, a todos os poderes públicos, às forças militares e de polícia, aos organismos de inteligência, aos partidos políticos e as mais diversas instituições e organizações do poder social que gestaram uma reação de resistência a partir de setores populares.
Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem considerar o papel e a ingerência de potências estrangeiras, em especial dos Estados Unidos? Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem ter em conta o anticomunismo erigido em doutrina de segurança e política de Estado? Como fazer uma história do conflito e das responsabilidades nele sem examinar por que foram principalmente forças opositoras, democráticas e de esquerda, assim como diversas formas de organização social e popular, objeto de sistemática perseguição e extermínio? Como fazer uma história do conflito desatendendo a decisão política documentada e, portanto, demonstrável de compor organizações paramilitares para combater o suposto inimigo interno? Desde logo que são muitos mais os interrogantes. Estes são alguns dos que nós nos fazemos e sobre os quais quiséramos encontrar resposta, para confrontá-la com nossas elaborações.
Como sustentamos em diversos pronunciamentos, para nós outros e nós outras o conflito e sua dinâmica são complexos, multicausais e estruturais. As responsabilidades são múltiplas e estamos na disposição de assumir as que nos correspondam, considerando as relações de assimetria e desproporção que têm marcado a longa contenda social e armada. Dado que isso não é um assunto meramente formal, temos expectativas quanto a que o informe que a Comissão que vocês integram elabore nos há de fornecer elementos de análises para uma aproximação mais sensata ao difícil tema. Fazemo-lo pensando no curso esperançador que as conversações tomem, e sobretudo na explicação que a sociedade colombiana em seu conjunto espera, e, em particular, as vítimas do conflito. Além disso, tendo em conta a possibilidade real de pôr fim à confrontação armada.
Estamos profundamente comprometidos em que se esclareçam os fatos que marcaram o desenvolvimento da confrontação, e por isso propusemos na Mesa também a composição de uma “Comissão da Verdade”. O trabalho da “Comissão histórica do conflito e suas vítimas” e da “Comissão da verdade”, compreendemos como parte de um todo. Para nós, os resultados do Informe que vocês elaborarão constitui um marco de referência inevitável, não substitutivo, no qual se deverá apoiar a “Comissão da verdade”. Consideramos que seus alcances devem ser vinculantes.
Lhes agradecemos ter aceitado fazer parte desta Comissão histórica. Num país em que o livre pensamento tem sido objeto de estigmatização, e esta Comissão não estará isenta disso, se trata de uma atitude valorosa. Entendemos que em sua decisão, ademais do amor pelo conhecimento, da sadia controvérsia e do trabalho intelectual, tem prevalecido seu interesse de contribuir para a superação desta guerra que tem dessangrado nosso povo e seu compromisso de consolidar a perspectiva de uma solução política que nos permita construir, desdobrando a potência constituinte existente na sociedade, as bases para a paz estável e duradoura da Nova Colômbia que aspiramos deixar para as futuras gerações de colombianos e colombianas.


Delegação de Paz das FARC-EP