"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Entrevista com dois comandantes guerrilheiros otimistas: Iván Márquez e Jesús Santrich, das FARC-EP


PIA, Havana - A seguir publicamos uma entrevista de PIA Notícias com Iván Márqudz e Jesús Santrich das FARC-EP, à frente da delegação que participa dos Diálogos de Paz que estão ocorrendo em Havana,Cuba, entre a organização revolucionária e o governo da Colômbia. 


Em seu encontro com PIA, Iván Márquez, membro do Secretariado das FARC-EP e Jesús Santrich, do Estado Maior Central, falaram do desenvolvimento e das perspectivas dos Diálogos de Paz, do papel de sua organização dentro do movimento popular da Colômbia e da Nossa América, da necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte, das estratégias do império como a Aliança do Pacífico ou do negócio transnacional do narcotráfico, e do cenário em Nossa América no pós Chávez.

Que avaliação fazem dos diálogos de paz até o momento e quais são as suas perspectivas futuras?
Enquanto temas de muita transcendência nacional que estavam relegados ao esquecimento passaram ao primeiro plano de debate e pelas mãos do movimento social e popular como bandeiras de luta, o balanço é muito positivo. Referimo-nos a assuntos como o da posse e uso da terra, da exploração mineiro-energética e da indústria extrativa que tanto dano sócio-ambiental está causando, o do reordenamento territorial, o da reforma agrária e rural integral, o dos assuntos da reestruturação política e da democratização do país, por exemplo.

No entanto, já no que se refere à concretização de acordos, havendo esgotado quase três pontos da agenda, o que temos são construções parciais, que são de transcendência, mas que, por enquanto, deixaram ainda sem resolver os aspectos essenciais requeridos para poder se chegar a um tratado de paz estável e duradouro. À maneira de ilustração se poderia dizer que não há acordo sobre o fim do latifúndio e à delimitação sobre a estrangeirização da terra; não se vislumbra ainda o questionamento da Doutrina de Segurança Nacional, que na Colômbia continua marcada pela concepção do inimigo interno, pela presença do paramilitarismo de Estado, nem se definiram compromissos claros que nos indiquem um novo rumo para a economia nacional, alternativo às nefastas receitas neoliberais que cada dia geram mais miséria para as maiorias.

Nós estamos esperançosos em que com a participação da cidadania, com o protagonismo do povo nestas discussões a partir da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, todas estas dificuldades sejam superadas.

Como vêem o movimento popular na Colômbia e qual é o lugar das FARC-EP?


Apesar da guerra suja e do terrorismo de Estado que durante décadas vitimizou o movimento popular, sem dúvidas que ele tem dado mostras de uma valentia e de uma capacidade de reorganização sem limites. O país está cheio de pobreza e desigualdade, bem como está infestado de repressão, de desaparecimentos forçados, presos políticos, terra arrasada e refúgio internos nos campos, massacres, falsos positivos e incontáveis fossas comuns, que são produto da criminalidade sistematizada e persistente do Estado, contra o inconformismo e as reivindicações da população comum. E ainda assim, com tudo e apesar de que o protesto social está criminalizado e recebe um tratamento de ordem pública militarizada, guerreirista, a Colômbia vem sendo sacudida constantemente pela ação das massas nas ruas e estradas, por sua presença cada vez mais coesa e politizada em função de transformações radicais que clamam pela restauração da soberania, da democracia e da justiça social.

Podemos afirmar, em resumo, que o movimento social e popular é pujante e prometedor, e nele o papel das FARC-EP é o de apoio no propósito da unidade e o de contribuir fundamentalmente com questionamentos políticos e nossa influência sobre amplos setores de massas para construir uma alternativa política anticapitalista, que devolva a independência ao nosso país.


Quem quer mudança, soberania nacional e justiça social na Colômbia? E quem não quer?


A mudança social, como transformação revolucionária que funde o socialismo, tem sido nossa bandeira de toda a vida contra um bloco de poder oligárquico que hegemonizou por quase dois séculos a condução do país em uma via de submissão ao império. Na Colômbia as condições materiais, objetivas de existência, que são nefastas, multiplicaram a inconformidade ao jogar para a oposição diversos setores sociais, desde os mais pobres até importantes faixas de classe média que tomaram consciência de que a plutocracia exercida por um punhado de famílias vinculadas ao capital financeiro, afundaram mais de trinta milhões (dos 42 milhões) de compatriotas em um pântano de miséria e necessidades, segregando politicamente as maiorias com procedimentos de violência, de engano e de humilhação, que são aspectos latentes de uma guerra que nos foi imposta para defender os interesses mesquinhos dessas minorias que têm nomes conhecidos como Ardilla Lulle, Santodomingo, Sarmiento Angulo, entre outros aos quais servem os governantes de plantão.

Contra essas injustiças é que as FARC-EP têm agitado seu programa revolucionário, mas a título de um entendimento que permita colocar freio na confrontação; hoje na Mesa de Havana o que colocamos não são propostas radicais da insurreição, mas sim propostas mínimas para para chegar a um entendimento que abra as portas à democracia e ofereça possibilidades para o debate aberto, sem o perigo de que as balas do terrorismo de Estado acabem com a vida dos que estejam na oposição ou tenham pontos de vista diferentes aos dessas oligarquias que até agora nos governaram.



O que é e como se explica o narcotráfio na Colômbia e na região?

O narcotráfico é um negócio capitalista transnacional no qual o capital financeiro tem suas mãos metidas a fundo. Entre 3 e 5 pontos do PIB mundial estão cruzados por este flagelo; dele, por exemplo, se beneficiam os banqueiros internacionais com a lavagem e organizações como a CIA financiam suas operações encobertas da pior espécie. A Colômbia é uma vítima nisso. Vítimas são as empobrecidas massas camponesas, obrigadas pela pobreza gerada pelo neoliberalismo, a sobreviverem valendo-se dos cultivos de folha de coca. E vítimas são os milhões de consumidores em relação aos quais, ao invés de priorizar medidas de prevenção e de saúde pública que impeçam ou reduzam os danos, o que lhes são aplicadas são políticas proibicionistas de perseguição, de criminalização e estigmatização, comprovadamente fracassadas.

Em relação a este problema reinam argumentos hipócritas os quais, ao mesmo tempo em que demonizam os cultivadores de coca e acusam de narcotraficante a guerrilha, para retirar com mentiras sua áurea política, escondem os verdadeiros responsáveis pela comercialização e pelo aumento da produção.

Que resposta dariam diante da mensagem como a que deu o presidente Santos, que espera que as FARC entreguem as armas e que espera ver os integrantes das FARC sentados no Congresso?

O que está estabelecido no acordo geral de Havana é a possibilidade de chegar a um cenário, não de entrega, mas sim de abandono das armas, o que para nós significa em termos concretos que logo após uma longa trégua que permita observar a implementação do que for pactuado, em um ambiente de verdadeira democracia, o uso das armas se torne desnecessário.

E sobre a participação no congresso, o que podemos dizer é que estabelecer a democracia consiste em que todos os colombianos sejam sujeitos ativos no planejamento e condução dos destinos do país. Pode-se dizer que os assuntos do Estado e do governo, o exercício da política como serviço à sociedade, não podem ser privilégio de elites ou de grupos econômicos poderosos.


Para que levar à frente uma Assembleia Nacional Constituinte?

Os problemas da guerra e da paz afetam a vida de todos os colombianos; por isso, para sua solução, para construir um verdadeiro tratado de reconciliação, a participação cidadã, do poder criador do soberano, é um fator principalíssimo. Até o momento o desenvolvimento das conversações reuniu algumas opiniões e elaborações das comunidades, mas não abriu os espaços para que o povo comum debata plenamente suas expectativas. Se isto não se fizer o processo teria um enorme déficit de legitimidade; então, a melhor maneira para que o soberano (o povo) possa assumir o protagonismo que lhe corresponde, porque do que se trata é da definição de seu destino, é através de uma Assembleia Nacional Constituinte, estruturada de maneira tal que todos os setores sociais tenham representatividade para assentar as bases de uma nova institucionalidade.


O que significa para vocês a Aliança do Pacífico? Que projeções existem dos Estados Unidos para o nosso continente?

Significa uma tentativa de ressuscitar a derrotada ALCA, ao estabelecer tratados comerciais que são muito lesivos para importantes ramos da economia regional e o que outorgam são vantagens que o livre comércio concedeu às transnacionais. É também uma pérfida tentativa de descarrilar Nossa América do rumo de integração que vêm traçando iniciativas como as da UNASUL e da CELAC. A Aliação do Pacífico entranha uma suposta integração de ordem comercial, mas repleta de um conservadorismo que resguarda a dependência em relação aos Estados Unidos sem levar em conta que a unidade, a cooperação e a complementariedade entre os nossos países, deve apontar para aspectos que vão mais além do comercial, do econômico e do financeiro, que têm a ver com a cultura, com a questão social e com a identidade dos nossos povos em condições de independência.


Em resumo, o que ocorre é que alguns governos latino-americanos estão é montando para os Estados Unidos uma plataforma no continente com a aliança transpacífico, esta liderada pelo país do norte em momentos em que o litoral Atlântico é suplantado pelo Pacífico no campo das exportações.


No caso da Colômbia, por exemplo, desgrava 92% do universo alfandegário, afetando as defesas de setores tão importantes como a agricultura. De fato isto vai contra a soberania alimentar e a economia camponesa em relação à qual o que havíamos pactuado na mesa era seu fortalecimento.


Com este tipo de alianças não deixaremos de ser exportadores de carvão, de outros produtos minerais, e importadores de bens industriais e agrícolas. O processo de reprimarização e refinanceirização de que sofre hoje nossa economia, sem dúvida será agravado por um iminente aprofundamento da desindustrialização. A Colômbia deve se afastar desse caminho, retomar uma dinâmica autônoma de industrialização e uma política econômica independente, soberana, para a equidade, que entre outras coisas eleve a produtividade do campo através de uma reforma rural integral, como a que as FARC-EP colocaram sobre a mesa de conversações.


O que significa Manuel Marulanda para o movimento revolucionário de Nossa América?

Antes de qualquer coisa, Manuel Marulanda é um exemplo de persistência na luta por ideais de justiça e emancipação. Fidel Castro explicou muito bem o que o comandante Manuel significa para os nosos povos quando expressa: "Considerei e considero que Marulanda foi um dos mais destacados guerrilheiros colombianos e latino-americanos. Quando muitos nomes de políticos medíocres forem ouvidos, o de Marulanda será reconhecido como um dos mais dignos e firmes lutadores pelo bem-estar dos camponeses, dos trabalhadores e dos pobres da América Latina".


Que visão têm da Nossa América pós Chávez e do processo revolucionário na região e que papel têm as FARC nele?


A América pós Chávez conta com a força dos povos que retomaram esse instrumento fundamental de luta, que é o pensamento bolivariano e o de seus heróis nacionais, como herança que, em grande medida, ajudou a resgatar o comandante Presidente. Dizer isso significa que hoje, em Nossa América, há muita agitação de mudança em favor de ideais tão importantes como o da unidade continental, o da independência, o da busca de condições de igualdade e de justiça, o de atuar em condições de soberania, etc. e tudo isso ligado a esse outro grande propósito de equidade que é a construção do socialismo. Dentro desta realidade, nós, simplesmente, somos soldados da mais bela das causas, que é a de libertar um continente que haverá de fulgurar como uma Grande Nação de Repúblicas Irmãs.

Traduziu: Luiz Manuel Cano Prestes