"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 22 de março de 2014

Reestatização da coleta de lixo provoca impeachment do prefeito de Bogotá


Mónica Roa Rojas – Colômbia
Quem compareceu à popular Praça Bolívar, em Bogotá, aceitando o convite para comemorar a vitória jurídica do prefeito Gustavo Petro na CIDH – o que lhe concedeu, quase à meia-noite de terça-feira, as medidas cautelares de proteção a seus direitos políticos, instando o governo da Colômbia a mantê-lo em seu cargo –, não imaginavam que estariam diante de seu ex-prefeito.

De fato, por volta das 15h daquele dia (19) começaram a chegar à praça os primeiros convocados pelo prefeito Petro para festejar o anúncio da CIDH, que buscava deter a implacável decisão do procurador Alexandro Ordoñez de retirá-lo de seu cargo e condená-lo à morte política com uma suspensão de 15 anos.

No último dia 9 de dezembro, o procurador concluiu um rápido processo disciplinar contra o prefeito Petro por implementar um sistema público de coleta de lixo com algumas deficiências – qualificadas pelo Ministério Público como “gravíssimas”, a ponto de merecer a fulminante destituição. A decisão foi reiterada e ratificada pelo aparato interno de justiça, que deu razão a seu colega na tarde de terça-feira após contornar várias instâncias e ações judiciais em defesa do prefeito. O rápido processo disciplinar o levou a recorrer diante do Sistema Interamericano de Proteção e Justiça.

Para o leitor brasileiro, é oportuno informar que o Procurador Alejandro Ordoñez é uma versão colombiana, igualmente colérica, com pitadas de fanatismo religioso, de Joaquim Barbosa, o presidente do STF brasileiro, que se ofereceu ao desfrute conservador como algoz do PT e de algumas de suas principais lideranças.

No caso do prefeito de Bogotá, um ex-guerrilheiro do M-19, bastante popular, que acumula boas chances de ser um candidato competitivo à Presidência da República, sobretudo em meio à decisão das Farc de negociar seu retorno à disputa política constitucional, a origem do impeachment foi a decisão de reestatizar a coleta de lixo na cidade. 

Na batalha jurídica que cercou a decisão, a capital ficou três dias sem o serviço – antes dominado por duas empresas, sendo uma delas de propriedade do filho do ex-presidente direitista Álvaro Uribe.

No dia 9 de dezembro de 2013, Alejandro Ordóñez, anunciou a destituição de Petros e a suspensão de seus direitos políticos por 15 anos. Desde então, se arrasta a resistência do prefeito e dos cidadãos de Bogotá contra mais um capítulo da nova versão do golpismo latinoamericano, que trocou o uniforme pela toga e emite ultimatos no idioma jurídico.

Restava a derradeira esperança da apelação feita ao Presidente da República, dotado de poderes para desautorizar o procurador e fanático religioso Alejandro Ordóñez.

Em campanha pela reeleição, a dois meses de enfrentar as urnas, Juan Manuel Santos preferiu não se indispor com a extrema direita, que o surpreendeu nas eleições legislativas dando a seu antecessor e agora um adversário ferrenho, Alvaro Uribe, um mandato com cerca de dois milhões de votos.  

Nesta quinta-feira, em atitude inédita, Santos ignorou uma medida da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ratificou a destituição do prefeito Gustavo Petro. 

A cidade amanheceu com a tensão de saber que a última palavra para que o prefeito Petro permanecesse em seu cargo seria do presidente Juan Manuel Santos. A esquerda repetiu, mais de uma vez, que nenhum presidente da Colômbia havia se atrevido a não reconhecer as medidas cautelares proferidas pela CIDH, e que este seria o primeiro histórico e lamentável caso. A direita, por sua vez, estava absolutamente confiante em seus cálculos políticos em plena campanha e a poucos meses da eleição presidencial. Petro, a pedra no sapato, parecia ter as horas contadas na prefeitura de Bogotá.

O resultado era meio previsível, mas incerto. Muitos seguidores do prefeito Petro eram animados por uma certa esperança, a mesma que rapidamente se esvaeceu por volta das 16h, quando, em um ato protocolar, o presidente Santos desavergonhadamente anunciou, da sua sede de governo, a fulminante destituição do prefeito Petro e a nomeação de seu substituto temporário, o atual ministro do Trabalho, Rafael Pardo. O mesmo artífice da paz com o M-19, grupo insurgente que tomou a decisão de firmar um acordo pela paz e fazer a política na democracia das urnas – acordo este que possibilitou ao ex-guerrilheiro Gustavo Petro tomar posse em janeiro de 2012 do segundo cargo eletivo mais importante da Colômbia. 

Por volta das 18h, continuavam chegando centenas de pessoas à Praça Bolívar. Milhares de cartazes em apoio a Petro e em rechaço à decisão presidencial eram vistos em todos os cantos, e as palavras de ordem em apoio a Petro e contra Santos e o procurador eram ouvidas com fúria. Pouco antes das 19h, Petro sai à varanda daquela que, até algumas horas antes, era a sede de seu governo.

“O presidente mentiu”, repetiu várias vezes Gustavo Petro de sua varanda, diante de uma multidão amontoada que gritava da Praça Bolívar “Petro, não vá”. “O presidente Santos disse ao prefeito que respeitaria e acataria a decisão da CIDH”, lembrou com raiva o ex-prefeito em seu discurso final. Enquanto isso, circulava nas redes sociais o velho anúncio em que Santos anunciara, havia apenas dois dias, que aceitaria as determinações da CIDH. A América Latina inteira viu perplexa como – em apenas uma canetada – um governante da região privilegiou seus interesses pessoais, seu poder e sua classe, expondo toda a democracia de um país à própria fortaleza de proteção do Sistema Interamericano.

Diante de seus apoiadores, Petro qualificou a decisão de destituição como um “golpe de Estado”. Disse ao presidente que estava cumprindo um “triste papel na história da Colômbia”; ao procurador, chamou de “fanático”; ao prefeito interino de “impostor; rechaçou com veemência o poder corrupto que se deixa pressionar com “balas, intimidação e narcotráfico”. Ao povo, convidou para reagir e organizar comitês de apoio à democracia, e chamou para a construção de uma Assembleia Nacional Constituinte e a uma greve nacional.

Acompanhado de sua família, seus colaboradores e seu círculo de seguranças, despediu-se da clássica varanda do Palácio Lievano e anunciou uma vertiginosa agenda de encontros com diferentes setores populares. Pediu calma à multidão enfurecida que gritava “não passarão”, estendeu a mão, lhes deu adeus e sentiu seu peito apertado. Assim foi o último discurso no palácio municipal do ex-guerrilheiro do M-19, que abandonou a luta armada para negociar a paz e entrar na disputa eleitoral, tendo sido destituído como prefeito por um processo disciplinar sem sentença penal pelo representante da classe política que historicamente segregou, discriminou e excluiu. O país se pergunta agora: qual paz?


Tradução: Daniella Cambaúva