"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Por que a paz na Colômbia depende dos camponeses?


-->


Por Théa Rodrigues, da redação do Vermelho


A Colômbia vive um processo histórico. Os diálogos de paz entre as Farc e o governo marcam a primeira fase de uma grande transformação. Mesmo após o avanço das partes com o tema agrário, camponeses saíram às ruas em greve. O Vermelho recebeu membros da Marcha Patriótica, que explicaram a relação das negociações com a luta agrária. Leia a seguir a primeira parte da reportagem especial sobre a conjuntura colombiana.



No dia 19 de agosto deste ano, os trabalhadores do campo iniciaram uma greve agrária nacional na Colômbia que durou cerca de um mês. Durante este período, reivindicaram o avanço de uma política de reforma agrária integral, que reconheça os territórios coletivos indígenas, a territorialidade necessária ao campesinato e que desmonte os grandes latifúndios que concentram a maior parte da terra produtiva. Conseguiram, a sangue e suor (depois de uma violenta repressão policial), a possibilidade de negociar com o governo do presidente Juan Manuel Santos, mas desde então não avançaram em nenhum ponto na mesa de diálogos.

Ao mesmo tempo, aconteciam em Havana, Cuba, as conversações entre os representantes governamentais e os delegados das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na época, as partes discutiam o segundo ponto da agenda, a participação política, uma vez que já haviam chegado a um acordo parcial sobre o primeiro tema: o desenvolvimento agrário. Concluíram, dentre outras coisas, a necessidade de “implantar uma reforma agrária integral, com grandes investimentos do Estado, que reverta os efeitos negativos do conflito sobre o campo” – uma reivindicação histórica da guerrilha e o motivo pelo qual as Farc levantaram as armas há mais de meio século.

“O início do conflito colombiano é o tema agrário. Foi por isso que os camponeses se levantaram em armas para defender o seu direito à terra. Há mais de 50 anos lutamos por uma reforma”, afirmou ao
Vermelho, Jenifer Burbano Mora, delegada da Marcha Patriótica para Movimentos Sociais na Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Fica evidente, então, que a greve agrária nacional não é um acontecimento isolado e está intimamente ligado à luta das Farc. Segundo Jenifer, “as pessoas, sobretudo os camponeses, com os diálogos de paz que acontecem em Havana, se deram conta de que a reforma agrária é possível e que é preciso lutar por isso. Um exemplo foi a importante mobilização do povo de Catatumbo, que demonstrou com muitos dias de resistência (apesar da repressão) que se pode conseguir direitos e reivindicações. Isso foi um impulso para a greve”.
Catatumbo e os antecedentes da greve agrária nacional
Catatumbo está localizado na fronteira da Colômbia com a Venezuela. É uma região montanhosa, onde há vários anos os camponeses se organizam para que se reconheça seu território como uma Zona de Reserva Camponesa – decisão que garantiria uma série de direitos aos trabalhadores locais. Os protestos na região começaram em 11 de junho, reuniram 15 mil pessoas e persistiram durante 53 dias, até que os manifestantes decidiram interromper os bloqueios, em demonstração de boa vontade, em prol do diálogo de paz.

O governo, por sua vez, ordenou a retirada dos 500 erradicadores de coca (que havia enviado ao local para suspender os chamados “cultivos ilícitos”) e prometeu cumprir uma série de exigências dos trabalhadores rurais, dentre elas, a substituição gradual do plantio. Contudo, segundo o dirigente agrário César Pachón, porta-voz da organização Dignidade Agropecuária, em entrevista à RCN Rádio, “os camponeses conseguiram fazer com que o governo executasse decisões técnicas, mas nenhuma política”.

Durante os protestos em Catatumbo, o exército fez uso desmedido da força e violações dos direitos humanos eram reclamações frequentes das organizações sociais do país. Camponeses foram mortos em confrontos violentos, manifestantes e líderes do povo foram presos e mais de 30 pessoas ficaram feridas, em uma tentativa governamental de enfraquecer e criminalizar o movimento social.

“Temos uma grande quantidade de companheiros e dirigentes camponeses capturados. Esse foi o mecanismo encontrado para debilitar o nosso processo, uma forma de amedrontar os que querem lutar por seus direitos”, avaliou Jenifer, da Marcha Patriótica.

“Ao povo o que é do povo”

O desenvolvimento agrário do país é um dos temas mais difíceis da administração pública colombiana.

Depois da pausa nos protestos em Catatumbo, enquanto os manifestantes locais e o governo negociavam a instauração de uma mesa de conversações, no dia 19 de agosto, estourou a greve agrária nacional. Trabalhadores do setor agrário da Colômbia pediam mais investimentos e atenção por parte do governo do presidente Juan Manuel Santos.

Anunciaram a adesão à greve representantes dos cafeicultores, arrozeiros, plantadores de cacau, de batata, caminhoneiros, mineiros, entre outros. Os manifestantes reclamavam, principalmente, dos 11 Tratados de Livre Comércio (TLC) que, segundo eles, “estão acabando com o campo e com suas vidas”. Também levantaram temas como o elevado custo dos insumos agrários, o contrabando e as importações. A greve ganhou respaldo de outros setores da sociedade, como os estudantes, sindicalistas, operários, mineiros e donas de casa.

Para Yule Anzueta, membro da Marcha Patriótica e da Mesa Nacional Agrária e Popular de Interlocução e Acordo (MIA) da Colômbia, “o descontentamento da população é resultado dos anos em que os camponeses foram impedidos de resolver a crise agrária, sem poder conquistar uma reforma”. Ele avalia que o principal fator que fez com que mais de 200 mil pessoas em 22 departamentos (equivalente a estados) bloqueassem as estradas do país, “foi a entrada em vigência dos TLCs que gerou uma crise maior, somada ao acumulado das reclamações históricas dos camponeses”.

Anzueta disse ao Vermelho que “o que levou as organizações a convocarem a greve não foi somente a necessidade de uma reforma agrária, mas todo o sistema atual. Pedimos condições mínimas de sobrevivência para os trabalhadores”.

“O governo não acreditava que seriamos capazes de fazer tal mobilização. Semanas depois de iniciada, o presidente Juan Manuel Santos disse que a greve não existia e que os camponeses não tinham tanta força”, lembrou o membro da Marcha Patriótica, que avaliou ainda que “isso encheu o povo de ressentimento e fez com que muitas pessoas nas cidades saíssem às ruas para apoiar a greve agrária”.

Segundo ele, depois que o governo percebeu a contundência das manifestações e viu que a violência por parte das forças de segurança não iria conter o descontentamento popular, “finalmente reconheceu a existência de uma crise”. Isto também aconteceu porque os meios de comunicação do país não puderam mais ignorar a greve (apesar de continuar distorcendo algumas informações).

“Estamos em uma crise estrutural do setor agrário colombiano. Uma crise que tem diversas origens e que não surgiu da noite para o dia”, declarou Santos em uma reunião com deputados departamentais (estaduais) celebrada na cidade de Medelín.

Violência

Em meio às tensões e advertências do governo de levar a julgamento aqueles que tentassem perturbar a ordem pública, o movimento político e social Marcha Patriótica alertou a grave violação dos direitos humanos em um comunicado:

"A Marcha Patriótica responsabiliza o presidente Santos; o ministro do Interior Fernando Carrillo; e o diretor geral da Polícia, Rodolfo Palomino, pelas violações aos direitos humanos executadas por integrantes das forças regulares do Estado que se apresentam contra os manifestantes".

Segundo Lorena Sanchéz, também delegada da Mesa Nacional Agrária e Popular de Interlocução e Acordo (MIA), “durante a greve agrária nacional assassinaram 15 companheiros da Marcha Patriótica e depois que os bloqueios foram suspensos, foram mortos outros nove dirigentes que participaram do levante popular”. Em sua visita ao Vermelho, ela denunciou ainda as constantes perseguições das forças militares, além das contínuas ameaças aos líderes camponeses.

O presidente colombiano chegou a declarar publicamente que “a instrução para a força pública é que os manifestantes e seus direitos sejam respeitados”, pois “o protesto é parte da democracia”. No entanto, as detenções arbitrárias continuaram acontecendo no país. Um exemplo é a prisão de Humberto Ballesteros, porta-voz da Marcha Patriótica e membro da Central Unitária de Trabalhadores, a quem o Estado acusa de terrorismo e rebelião.

Lorena afirmou que “no país, não há garantias políticas para que o povo possa reclamar os seus direitos”. Ela contabilizou mais de 600 feridos e cerca de 900 detidos desde o início das manifestações.
Catatumbo está localizado na fronteira da Colômbia com a Venezuela. É uma região montanhosa, onde há vários anos os camponeses se organizam para que se reconheça seu território como uma Zona de Reserva Camponesa – decisão que garantiria uma série de direitos aos trabalhadores locais. Os protestos na região começaram em 11 de junho, reuniram 15 mil pessoas e persistiram durante 53 dias, até que os manifestantes decidiram interromper os bloqueios, em demonstração de boa vontade, em prol do diálogo de paz.

O governo, por sua vez, ordenou a retirada dos 500 erradicadores de coca (que havia enviado ao local para suspender os chamados “cultivos ilícitos”) e prometeu cumprir uma série de exigências dos trabalhadores rurais, dentre elas, a substituição gradual do plantio. Contudo, segundo o dirigente agrário César Pachón, porta-voz da organização Dignidade Agropecuária, em entrevista à RCN Rádio, “os camponeses conseguiram fazer com que o governo executasse decisões técnicas, mas nenhuma política”.

Durante os protestos em Catatumbo, o exército fez uso desmedido da força e violações dos direitos humanos eram reclamações frequentes das organizações sociais do país. Camponeses foram mortos em confrontos violentos, manifestantes e líderes do povo foram presos e mais de 30 pessoas ficaram feridas, em uma tentativa governamental de enfraquecer e criminalizar o movimento social.

“Temos uma grande quantidade de companheiros e dirigentes camponeses capturados. Esse foi o mecanismo encontrado para debilitar o nosso processo, uma forma de amedrontar os que querem lutar por seus direitos”, avaliou Jenifer, da Marcha Patriótica.