"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 13 de julho de 2013

Nós fazemos política com as armas, o objetivo é fazer política sem elas”: As FARC-EP em La Habana


Escrito por Loïc Ramirez , Le Grand Soir

Publicado na quarta-feira, 10 Julho 2013 14:32
 
Entrevista com a delegação de Paz das FARC-EP em La Habana
 
Por: Loïc Ramirez , Le Grand Soir/LaMartes, 09 Julho 2013
 
Nós fazemos política com as armas, o objetivo é fazer política sem elas”. “A ela lhe dá pena mostrar-te suas feridas de combate, mostre-as!”. A jovem colombiana me revela, debaixo de seu elegante xale azul, impressionantes cicatrizes que traduzem a intensidade de uma guerra que ainda não terminou.
 
Sentados no átrio do Hotel Habana Libre de Havana, Andrés París, figura histórica da guerrilha, e Diana Grajales, jovem combatente insurgente, intercambiam comigo seus pontos de vista sobre as perspectivas acerca das discussões levadas com o governo da Colômbia. Divididas em vários pontos, estas têm como temática principal nestes momentos a questão da participação política do movimento armado. “A participação nossa em política não é a mera participação em cargos burocráticos parlamentares, que é a que nos querem conduzir; primeiro, com um afã de adoçar-nos o ouvido, de inflamar os egos, com o propósito que caiamos em outra emboscada. Este conceito encerra a ideia de que a guerrilha não faz política. Nós, as FARC, fazemos política desde que nascemos, fazemos política com as armas, o que se trata de discutir é como fazer política, porém sem o uso das armas”, explica Andrés París.[1]
 
 
Diana Grajales e o comandante Andrés Paris, hoje em La Habana
 
Com uma advertência, acrescenta “Não vamos ser cooptados pelo regime, não vamos apoiar as classes dominantes e seus partidos, não vamos desintegrar-nos para fortalecer propostas burguesas que estão dominando hoje a vida política nacional, como o fizeram alguns setores das guerrilhas anteriores que se desmobilizaram”.[2] A estrutura do grupo armado é o reflexo do que é, isto é, “um partido em armas”, como o destaca Diana Grajales.[3] Voltando a seus primeiros anos em contato com a guerrilha, a jovem me explica sua iniciação ideológica ao marxismo, ao leninismo, à dialética e ao bolivarianismo. “A esquadra é a menor unidade no seio da organização, está composta por 12 guerrilheiros, e cada ‘esquadra’ é, por sua vez, a célula política!”. Fundido à estrutura do grupo armado, o Partido Comunista Colombiano clandestino [PC3] e as FARC são uma unidade, resposta à ruptura orgânica oficial da guerrilha com o histórico Partido Comunista Colombiano na década dos ’90. Semanalmente, cada estrutura de base da guerrilha realiza uma reunião política de partido. Aí se aplica, como o predispõem os princípios leninistas, o debate aberto e livre entre militantes/guerrilheiros, assim como a crítica e autocrítica. “Essas reuniões para nós são vitais”, destaca a jovem combatente.
Jaime Nevado é um guerrilheiro com uma longa experiência. Barba grisalha e óculos, o homem sabe levantar a voz quando quer ressaltar suas palavras. “O guerrilheiro que não é comunista não é um guerrilheiro”, afirma.[4] Amante do teatro, se une à insurgência na década dos anos ’80, na qual segue praticando e transmitindo sua arte. Quando lhe pergunto sua opinião acerca dos diálogos com Bogotá, me responde: “Estamos sentados na mesa para democratizar o país. Não vamos entregar as armas, se nos querem arrancá-las, que venham e nos arranquem. Não nos têm podido quitá-las, então, como é isso de que vamos entregá-las? É como se disséssemos a eles “entreguem-nos o Estado!” Nós não pudemos tomá-lo, então, como nos vão entregá-lo? Estamos iguais, somos dois exércitos que não puderam derrotar um ao outro. Ah! Que nos prejudicaram? Sim, porém nós também lhes causamos danos. Por que as transnacionais estão pressionando Santos para sentar-se conosco na mesa de negociação? Porque elas querem investir na Colômbia e a pedra no sapato somos nós [...] O problema, hoje em dia, são os «não» do governo. Se lhes diz «O campesino necessita de terra», eles dizem «Não, isto não é negociável»; «o campesino necessita de uma reforma agrária», «Não, isto não é negociável»; «O campesino necessita de uma zona de reserva e blá-blá-blá...” «Não, isto não é negociável». Agora, estamos falando da participação política, nós dissemos que o que há que fazer para garantir esses acordos é uma Assembleia Constituinte. O governo responde: «Não, isto não é negociável».
 
No entanto, o regime colombiano pode ser flexível, como o precisa Andrés París: “O governo havia rechaçado várias propostas que lhe havíamos feito, porém foi gradualmente elaborando fórmulas que permitiram avançar, e é previsível que, frente a Assembleia Constituinte, também modifique sua postura. Na etapa secreta dos diálogos, eles queriam que as conversações permanecessem todo o tempo secretas, nós exigimos uma abertura da mesa. Cederam e agora nos encontramos na etapa pública, coisa que não estimavam no começo destes diálogos. A princípio se negaram a qualquer forma de ratificação dos acordos e agora Santos fala de um referendo. Nós queremos precisar que a Assembleia Nacional Constituinte é um mecanismo do qual se utilizará ao final, quando todos os acordos sejam obtidos [...]. Tudo isto te digo para que possas ver que o governo já modificou suas posições e que é desejável que também o faça a respeito da sua posição inicial de dizer “não” a Assembleia Constituinte”.
 
Enriquecidas por cerca de 50 anos de experiência na luta, as FARC sabem que os acordos de paz com o Estado colombiano não poderão ser válidos sem que se estabeleçam garantias sólidas. O fantasma do projeto da União Patriótica seguem sendo a bússola inevitável para quem queira levar a cabo um cessar-fogo. A investida sofrida pela esquerda nessa época [e que se prossegue atualmente] consolidou a certeza, no movimento armado, de que no país não existem condições políticas suficientes para abandonar a luta armada. “Hoje em dia, depois de 30 anos, posso dizer que sou um sobrevivente de uma geração de líderes cuja maioria foi assassinada. A luta guerrilheira, sendo aparentemente mais perigosa, lhe posso dizer que os que ingressamos nas FARC estamos vivos, enquanto que os que continuaram no exercício da política foram assassinados”, explica Andrés París. Frente às incessantes exigências de capitulação formuladas por Bogotá, aquele contesta “para quê? O primeiro ato seria: a desmobilização e a entrega de armas. Segundo ato: saída de um grupo de guerrilheiros para a praça pública. E terceiro ato: assistir ao enterro desses líderes”. Esboçando apenas um sorriso, acrescenta “Então, quando chegue o momento de dizer ‘Quem sai pelas FARC?, eu digo: Que saia Diana primeiro, adiante!”” A jovem companheira lhe responde com um sorriso cúmplice.
 
É evidente que o desafio principal das conversações de paz realizadas em Havana reside no seguimento destes, quando concluam. Ariel Ávila Martínez, membro do Observatório do conflito Nuevo Arco Iris, me expunha sua inquietação numa entrevista em janeiro de 2013, acerca das garantias que o regime poderia dar:

As FARC não podem ser assassinadas outra vez, há que deixá-las participar na vida política. Depois, lhe pode exigir 60 anos de cárcere a Timochenko.[5] Depois de ter passado 40 anos de sua vida na selva. Há que encontrar uma combinação jurídica. Porém, sobretudo, há que proteger-lhes a vida. Sabes que os maiores assassinos da esquerda na Colômbia foram os paramilitares, instigados pela classe política tradicional. Então, eu me faço uma pergunta, se num município narco um comandante das FARC se lança em política... será que o prefeito vai deixá-lo? Ou vai se aliar com os narcos para matá-lo?”.[6]
 
O problema paramilitar é um dos pontos essenciais na hora de firmar garantias de participação política aberta. “O governo tem primeiro que desmontar os grupos paramilitares, em segundo lugar tem que depurar as forças armadas e em terceiro lugar tem que acabar com esta doutrina da segurança nacional”, enumera Jaime Nevado, referindo-se a esta tese proveniente da época da Guerra Fria, que tem como finalidade utilizar o exército para levar a cabo uma guerra anti subversiva. Esta consiste essencialmente em reprimir o movimento social com o pretexto de combater a guerrilha. “Que é essa confusão, em que nós estamos falando de paz e Santos decide afiliar-se a OTAN? Para quê? A OTAN só serve exclusivamente para destruir povos, isso não é sério!”, acrescenta meu interlocutor.
 
Nós estamos convencidos de que o que sucedeu com a União Patriótica pode repetir-se. Os mortos nunca dissuadiram a burguesia colombiana”, prossegue Andrés París. “A melhor garantia de não sermos assassinados é que na Colômbia comece um processo de mudanças profundas da cultura e das instituições políticas colombianas, nas quais os esquadrões da morte sejam isolados”. Prevenido, o guerrilheiro conclui com um refrão colombiano: “Ao cachorro não o capam duas vezes”.
 
   
Enviado especial de Grand Soir a La Habana
 (1) Entrevista com Andrés Paris, 30 de junho 2013, La Habana
 
(2) Referência à desmobilização do M19 em 1990 que deu lugar a sua conversão em movimento político e a sua participação na constituição nacional de 1991
 
(3) Entrevista com Diana Grajales, 30 de junho 2013, La Habana
 
(4) Entrevista com Jaime Nevado, 29 de junho 2013, La Habana
 
(5) Timoleón Jiménez, comandante-chefe das FARC-EP depois da morte de Alfonso Cano
 (6) Entrevista com Ariel Ávila Martínez, 25 de janeiro 2013, Bogotá
 
Original: “Nous faisons de la politique avec des armes, le but est d’en faire sans elles? : Entretien avec la délégation de paix des FARC-EP à La Havane¿ 
Editado por : María Piedad Ossaba 
Fuente : Le Grand Soir, 7 de junho de 2013