"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 2 de dezembro de 2012

O Estado tem de pedir perdão




Por Gloria Gaitán


Senhor Presidente
JUAN MANUEL SANTOS
República de Colômbia
Bogotá

Senhor Comandante
RODRIGO LONDOÑO ECHEVERRI [Timoleón Jiménez]
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo                
[FARC-EP]


Cópia: Senhor Comandante
NICOLAS RODRÍGUEZ BAUTISTA [Gabino]
Exército de Libertação Nacional [ELN]

 

Ref.: Diálogos de Paz: o Estado tem de pedir perdão


Senhor Presidente Santos, Senhor Comandante Londoño Echeverri,

Tenho visto com preocupação a insistente afirmação por parte de
diferentes setores, tanto nacionais como internacionais, segundo a
qual, como resultado de um possível acordo de paz, os comandantes
das FARC-EP devem ser punidos, negando-lhes uma anistia integral.

Se pretende, assim, que, depois de sua potencial desmobilização,
lhes seja vedado incorporar-se de imediato e plenamente à vida
política por vias legais e cívicas.

No meu entendimento, ao impor-se essa tese, será impossível
conquistar um acordo de paz, já que a guerrilha – penso eu – não
vai deixar as armas com as que agora busca a tomada do poder para
conquistar uma transformação do atual sistema, em troca de uma
pena de cárcere que daria fim a sua parábola de luta.

Como em direito as coisas se desfazem como se fazem, penso que
nas mesas de diálogo o governo colombiano tem de reconhecer que o
conflito que vivemos foi iniciado pelo Estado colombiano em 1946,[1]
ao ter desatado naquele preciso momento o genocídio premeditado,
sistemático e generalizado às hostes gaitanistas, que avançavam
vitoriosas para a conquista do poder sob a liderança de meu pai,
Jorge Eliécer Gaitán.

Tenho toda a documentação provatória, original e extensa, que
faz desse genocídio ao Movimento Gaitanista um delito de lesa-
humanidade que está na origem do conflito.

Ponho à disposição do Governo Nacional, das FARC-EP, do ELN e dos
governos que, como garantidores, colaboram no processo, o seguinte
material provatório:
- 1º - Os vários memoriais de agravos que, a partir de 1947, meu pai
enviou ao Presidente Ospina Pérez detalhando os nomes das vítimas
em mãos do Estado, com os lugares, as datas e os delitos cometidos
pelas autoridades.
- 2º - As denuncias pontuais, com nome das vítimas, os lugares,
as datas e delitos cometidos pelas autoridades, publicadas no
jornal Jornada, porta-voz do Movimento Gaitanista, publicação que
desapareceu da Biblioteca Nacional, porém que, felizmente, minha
família conserva.
- 3º - O arquivo Gaitán, no qual minha família guarda milhares
de cartas originais de denúncia, que a meu pai lhe enviavam seus
partidários, indicando os nomes das vítimas, os lugares, as datas e o
ou os delitos cometidos pelas autoridades.
- 4º - As provas de que o Chefe da Policia daquele período, o Coronel
Virgilio Barco, contratou sicários na vereda de Chulavita para gerar o
conflito; coronel cujas crueldades também figuram no expediente do
assassinato do meu pai, desaparecido dos arquivos oficiais, porém do
qual minha família conserva cópia integral autenticada.
Premeditadamente, a esses sicários os enviavam às veredas e
municípios liberais e, ao grito de “Viva o Partido Conservador”,
sacrificavam liberais indefesos. Depois, os mesmos sujeitos viajavam
à veredas e municípios conservadores para, ao grito de “Viva o
Partido Liberal”, arremeter contra a vida e os bens de inocentes
cidadãos conservadores.
Meu pai percorreu o território nacional denunciando esta
maquiavélica montagem oficial, que buscava acender a fogueira do
ódio entre compatriotas. Na coleção do jornal Jornada, que minha
família guarda zelosamente, se lê no exemplar do dia 13 de abril
de 1947: “Povo de todos os partidos: as oligarquias lhes estão
enganando! Elas criam deliberadamente o ódio e o rancor através de
seus agentes, assassinando e perseguindo os humildes, enquanto o
sangue do povo lhes facilita a repartição dos benefícios econômicos e
políticos que gera tão monstruosa política”.
Não fala meu pai, como pretenderam os que querem responsabilizar
o povo pela Violência da metade do século XX, que se tratou de uma
guerra partidarista. Não! Em todas as suas intervenções, que ponho
à sua disposição, insistirá em que é uma violência oficial, desatada
de forma premeditada, sistemática e generalizada pelo Estado
colombiano.
- 5º - A leitura analítica da Organização pela Paz, pronunciada
pelo meu pai a 7 de fevereiro de 1948 numa Praça de Bolívar
transbordada pela multidão, com gentes que chegaram de toda a
Colômbia, não deixa dúvida de que meu pai assinala as autoridades
como culpáveis da perseguição e assassinato de seus seguidores.
Ninguém pode negar que, nessa intervenção, meu pai acusa o
Estado colombiano e o Governo presidido por Ospina Pérez como
responsáveis pelo derramamento de sangue que, como bola de neve,
desembocou no conflito armado que hoje vivemos. Ali, assinalou com
precisão, entre muitas outras acusações, o seguinte:
“Senhor Presidente Mariano Ospina Pérez: lhes pedimos que cesse
a perseguição das autoridades, assim o pede esta imensa multidão.
Lhes pedimos uma pequena e grande coisa: que as lutas políticas se
desenvolvam pelas vias da constitucionalidade”.
- 6º - Minha família põe, igualmente, à disposição do Senhor
Presidente da República e dos comandantes das FARC-EP e do ELN
as centenas de horas de gravação em vídeo e áudio que fez minha
filha Maria Valencia Gaitán, percorrendo em toda sua extensão o
território nacional, onde multidões de vítimas testemunham que,
depois do assassinato do meu pai, a perseguição violenta contra elas,
por serem suas partidárias, recrudesceu e foi, então, quando o povo
se viu obrigado a internar-se na montanha para salvar suas vidas,
armando-se inicialmente de facões e pistolas de fisto, sendo esta
perseguição oficial o germe das futuras guerrilhas.
- 7º - Inicialmente, se organizaram guerrilhas liberais que, traídas
pela direção, agora oligárquica do Partido Liberal – que pactuou a
desmobilização da guerrilha para logo assassinar seus comandantes –
fez com que alguns deles acorressem ao apoio do Partido Comunista,
que lhes mostrou um novo caminho diferente ao dos partidos
tradicionais.
- 8º - O doutor Jorge Leyva é testemunha de mina reunião em Casa
Verde com os máximos líderes históricos das FARC-EP. Ali, o líder
paradigmático dessa guerrilha, o Comandante Manuel Marulanda
Vélez, me contou como, na origem de sua luta guerrilheira, esteve
o ter-se visto obrigado, junto com sua família e sendo ainda
adolescente, a internar-se na montanha para proteger sua vida,
porque seus familiares eram Gaitanistas. É assunto que não se exibe
frequentemente, pelo rechaço que se lhe tem, e é compreensível,
pelo fato de haver tido como origem política ao partido liberal que,
uma vez assassinado meu pai, os traiu.
- 9º - De igual maneira, o máximo dirigente do ELN, o comandante
Gabino, a quem estou enviando cópia desta carta, me contou
pessoalmente no acampamento do Coce, que suas origens
guerrilheiras se remontam à época em que teve que fugir para a
montanha com sua família, que era Gaitanista, para salvar-se da
perseguição das autoridades.

Ponho este quantioso acervo documental a serviço dos diálogos de
paz, a fim de que se reconheça que foi o Estado o que desatou o
conflito que se prolonga até nossos dias, como detalhadamente –
com provas irrefutáveis ao canto – posso demonstrá-lo, a fim de
que o Estado peça perdão por este genocídio que tem ficado na
impunidade e que aos comandantes guerrilheiros se lhes outorgue
uma anistia integral, por ser a guerrilha consequência da violência e
não sua origem.

Meu pai não acreditava que a ele o assassinariam no marco desse
genocídio. A respeito, dizia: “A oligarquia colombiana não me mata,
porque sabe que, se o faz, o país se soçobra e passarão muitos anos
antes que as águas regressem ao seu nível normal”.

Em 1998, narrei esta frase do meu pai dizendo que, já que nesse ano
se cumpriam 50 anos de seu magnicídio, era tempo de que as águas
regressassem ao seu nível normal. Os jornalistas misturaram ambas
frases e divulgaram uma afirmação nunca feita por meu pai, segundo
a qual as águas regressariam ao seu nível normal passados 50 anos.

Hoje, passados 65 anos, todos os colombianos esperamos que
esse regresso à normalidade possa ser alcançado agora. O Estado,
mediante genocídio, rompeu o normal processo democrático. Será
necessário que a opinião pública compreenda que o conflito se iniciou
quando o Estado pretendeu abortar o triunfo popular, que já era
inevitável, com a eleição de meu pai como Presidente de Colômbia
para as seguintes eleições presidenciais de 1950, o que representava
a chegada do povo ao poder.

Estou disposta, no momento em que me o indiquem, a aportar o
extenso material provatório oferecido, que desde há anos minha
família guarda sigilosamente por ter sido perseguido pelo Estado
para sua destruição, como posso demonstrá-lo, provas ao canto.

Primeiro foi por ação do então ministro de Educação Rodrigo Lloreda,
que logrou que um agente seu incinerasse metade do Arquivo
Gaitán. Depois, por conspiração protagonizada pelo próprio Andrés
Pastrana, nessa época Presidente da República, por sentir-se afetado
diretamente com as provas sobre o genocídio que contém dito
arquivo, já que seu pai, o doutor Misael Pastrana, atuava então como
Secretário Privado do Presidente Mariano Ospina Pérez, sob cujo
governo se deu início ao genocídio. Por último, sob a presidência do
doutor Álvaro Uribe, quando as autoridades revistaram um depósito
privado esperando encontrar o Arquivo, logrando posteriormente
confiscar-me dezenas de cartas que culpam ao Estado do genocídio
ao Movimento Gaitanista e que hoje está em mãos do Ministério de
Educação.

A marcha vitoriosa que adiantava o povo em 1948, sob a condição
de meu pai, deve ser retomada pelas vias cívicas em mãos dos
descendentes dos heróis que caíram naquela batalha por uma
Colômbia equitativa e justa, processo civilista que o Estado
interrompeu e que gerou, à força, o surgimento da luta guerrilheira.

É por isso que os comandantes guerrilheiros não podem ser punidos,
senão que devem ser credores de uma anistia geral.

Fico, então, à espera de qualquer manifestação que se me faça, por
qualquer das partes, para contribuir com as provas relacionadas.

Atentamente,
GLORIA GAITÁN JARAMILLO
c.c. 20’144.757 de Bogotá
Correo-e: gaitanjaramillogloria@yahoo.es
Bogotá, D.C.
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