"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

RESUMEN LATINOAMERICANO entrevistou em Havana as FARC.

“Sempre é perigoso dialogar sob fogo. Tentar falar sob as balas e os
bombardeios é um risco muito grande”.

Por Carlos Aznárez

[diretor do jornal Resumen Latinoamericano]

De Havana

A muito poucos dias das conversações de paz entre o governo colombiano
e as FARC, o integrante da direção dessa organização guerrilheira,
Comandante Ricardo Téllez [Rodrigo Granda] assinalou que “o
convencimento do governo de Juan Manuel Santos de que não podiam
ganhar a guerra em forma rápida os levou a dialogar”.

Téllez, a quem também se conhece como o “Chanceler das FARC”, atua na
insurgência desde 1980, e muito antes já havia passado à
clandestinidade por sua miliância no Partico Comunista de seu país.
Confessou que um momento muito difícil das conversações exploratórias
que começaram em 2010 se deu quando primeiro foi assassinado o
comandante Jorge Briceño [Mono Jojoy], e logo após o mesmo ocorreu
quando caiu em combate o máximo referente das FARC Alfonso Cano. “Ali,
nos vimos obrigados a avaliar se tomávamos a decisão de seguir ou
chutávamos o tabuleiro. No entanto, nos demos conta que o objetivo era
a paz, como sempre o havia definido nosso Comandante Manuel Marulanda
Vélez, e decidimos seguir tentando-o”. Téllez não tem a menor dúvida,
e assim o expressou em Havana, que, se se dão avanços no diálogo,
desta vez poderiam abrir-se definitivamente as portas da pacificação.

- Foi muito difícil chegar a este momento atual? Como foram as
primeiras conversações exploratórias?

- Este caminho não foi simples, porque viemos de uma guerra bastante
dura, de oito anos do senhor Uribe e dois anos de Juan Manuel Santos.
Uma vez que o presidente Santos assumiu o mandato, enviou uma carta ao
Secretariado das FARC, dizendo que o que nós propúnhamos na agenda da
Nova Colômbia bolivariana podia ser discutido, porém que o que fazia
mal ao país eram as formas de luta que nós utilizávamos. De todas as
maneiras, ele reconhecia que em Colômbia havia um conflito, que era
algo que Uribe não aceitava.

A partir dali começou um intercâmbio epistolar, que concluiu numa
reunião que se fez em Colômbia, à qual lhe seguiram alguns encontros
em outros terrritórios não colombianos, para depois terminar em Cuba,
em reuniões que denominamos “discretas e secretas” durante seis meses,
até chegar ao atual momento.

- Vocês, durante um longo tempo, insistiram, diferentemente do ELN,
que as conversações tinham que ser em Colômbia. Que os fez mudar de
opinião?

- Veja que, desde tempos atrás, no governo de Gaviria, dialogamos em
Caracas, e em seguida no México. Para nós, o lugar nunca foi uma
questão de princípios, senão que o importante é ter a fundamentação e
a confiança para encarar os diálogos.

- Quanto tempo deliberarão em Oslo?

- O de Oslo é somente a instalação da mesa, lá deliberaremos dois ou
três dias no máximo, e logo após o importante se discutirá em Havana.
Também acordamos que também se poderão realizar reuniões em outros
países [n. r.: Não se descarta que uma desses sedes possa ser
Argentina ou Brasil] de acordo como se irão dando as discussões.

- Quais são as razões que os levam a pensar que o estabelecimento
colombiano tem necessidade de encarar a paz precisamente neste
momento?

- Eles levaram adiante com todas as suas forças o Plano Colômbia. A
ideia era exterminar-nos em quatro anos, em forma física. Quer dizer,
demonstrar ao mundo que a guerrilha poderia ser derrotada por essa via
militar. Esses primeiros quatro anos do senhor Uribe não frutificaram
no que ele pretendia. Conseguiu outros quatro anos com sua reeleição,
e nesse período se investiram mais de 12 bilhões de dólares na guerra
em Colômbia. Está a presença norte-americana, há pessoal israelense e
do Reino Unido e de outras potências, metidas na guerra contra o povo
colombiano. Eles haviam falado do pós- conflito e resulta que isso que
pretendiam não se vê por nenhum lado. Temos uma guerrilha forte, bem
equipada, que obviamente sofreu alguns golpes duros, porém que soube
adaptar-se, com muita facilidade, às novas formas que assume a guerra
em Colômbia.

Esse aspecto de não poder ganhar a guerra em forma rápida, levou ao
convencimento do senhor Santos e a seus patrocinadores, os EEUU, de
que era melhor dialogar. Nós somos porta-bandeiras da paz e do
diálogo. E nos alçamos em armas precisamente porque se nos haviam
fechado esses caminhos. Agora, bem, o estabelecimento colombiano pensa
incrementar ao máximo todas as políticas neoliberais, já que têm 52
tratados de livre comércio firmados com diferentes países do mundo,
uma boa quantidade de projetos agroindustriais e mineiros, mais
projetos energéticos multimilionários. Não nos esqueçamos que Colômbia
é um dos países mais ricos do continente: nós temos ouro, prata,
esmeraldas, ao que há que somar costas nos dois mares, e a selva
amazônica. Todos estes projetos que as transnacionais impulsionam se
chocam contra uma resistência armada. A partir dali, nossos inimigos
deduzem que é melhor solucionar este conflito pela via dialogada.
Ademais, em função da crise que vive o mundo, e especialmente Europa,
temem que suas consequências poderiam gerar um caldo de cultura para
que, a partir da experiência que têm as FARC, surjam outras guerrilhas
no continente.

- No entanto, Juan Manul Santos insiste em que as FARC estão contra as
cordas, que os últimos golpes as enfraqueceram e que precisamente por
isso vocês se sentam a dialogar.

- De nenhuma maneira. Um dos princípios da guerra é que com os
derrotados nunca se dialoga. Se eu ganho a guerra e submeto o inimigo,
para que me vou pôr a dialogar? Isso não tem nenhum sentido. Essas
suposições existem na mente deles mesmos, porém a realidade lhes
demonstra dia a dia que estão equivocados. A confrontação armada hoje,
e isto o sabem os altos mandos militares e o têm dito em reuniões de
Palácio, pode durar outros 20 ou 30 anos mais. Dali é que tiveram que
refletir sobre a necessidade de buscar outros caminhos para terminar
com a guerra. Em função disso, nós nos atrevemos a insinuar ao governo
que o importante seria parar a mortandade que causa a contenda, nosso
interesse é construir a paz, porém uma paz com dignidade, com justiça
social, que se encarem os problemas do povo colombiano.

- Que está pedindo, com urgência, a guerrilha?

- A guerrilha não está pedindo nada para ela, não necessitamos nada do
estabelecimento. A nós nos têm movido questões altruístas e que o país
e o continente possam viver em paz.

Se estes 48 anos de luta armada permanente logram que se canalize uma
abertura democrática, que em Colômbia se transformem as formas de
fazer política e se respeitem os direitos humanos e a integridade das
pessoas, e que nosso país se insira na nova realidade
latino-americana, e que contribua para a paz nacional e do mundo,
creio que terá cumprido uma missão muito importante. Há que recordar
que nós, num dado momento, quisemos mudar esta forma de luta. Agora,
bem, se agora se abrem as comportas que nos fecharam em 1964 e se nos
permite em pleno plano de igualdade com outras forças ir à praça
pública, estaríamos dispostos a fazer isso, porém devem estar
convencidos nossos inimigos que não se vai dialogar com uma guerrilha
vencida.

Esse foi o erro dos sucessivos governos colombianos, crer que, a cada
vez que se abria a possibilidade de um diálogo, era porque a
insurgência estava derrotada. Essa é uma estupidez, e sabem que no
momento atual é insustentável para eles.

- Não creem que poderia haver outra maneira de ver isto. Lhe explico:
o presidente Santos enfrenta a possibilidade de uma reeleição muito em
breve, e ele sabe que, se estas conversações frutificam, se pode
converter num defensor da paz e, desta maneira, revalida sua ideia de
seguir governando.

- A paz tem muitos amigos e é indubitável que em Colômbia se despertou
um fervor extraordinário para ela. Se respira o fervor de um
verdadeiro plebiscito internacional que levará adiante estes diálogos.
Tenhamos em conta que este é o conflito mais longo do hemisfério
ocidental. É indubitával que quem tenha as bandeiras da paz neste
momento pode aspirar não somente a uma reeleição, mas sim a passar à
história como um homem que fez tudo o que tinha em suas mãos para que
seu povo vivesse melhor. Esse é um desafio que tem o Presidente. Se
ele quer fazer história, tem a grande oportunidade, porém o
estabelecimento em seu conjunto tem que estar preparado a fazer
algumas das concessões que sempre as FARC buscaram, porque se trata de
duas partes na qual nenhuma ainda derrotou a outra.

- Que diferença há entre estas conversações que vão começar e as
anteriores que se deram em outros momentos da confrontação?

- O Presidente tem neste momento um respaldo muito grande a nível
nacional, e um entorno latino-americano diferente ao que havia nos
diálogos do Caguán. Ao mesmo tempo, se vê que há um apoio muito maior
por parte dos Estados Unidos para evitar que continue a guerra em
Colômbia. Não esqueçamos que eles têm sido os promotores desta guerra,
e se eles param de jogar lenha na fogueira, seguramente se poderá
avançar também. Outra das situações que se pode ver é que já o senhor
Presidente envolve ao alto mando militar, incluindo nas conversações a
alguns oficiais de alta categoria. Aí há, também, representantes dos
grêmios econômicos, que sabem que com um esforço que se faça, e
reconhecendo toda a quantidade de fatores que originaram o conflito e
solucionando essas causas, se pode avançar para um processo de paz.
Daí que nós consideramos que há algumas variações que nos permitem que
façamos uma experiência muito maior que em outras ocasiões.

Em nenhum dos processos anteriores havia uma real vontade de paz por
parte do governo colombiano. Se o senhor Santos vai utilizar essa
bandeira para a politicagem, ele deverá pagar esse custo histórico
frente ao país. Hoje se dá uma oportunidade, nós como FARC temos a
vontade política de avançar, sempre e quando se encare isto com
seriedade, e que se possa ir demonstrando que há vontades de
solucionar o conflito.

Nestas conversações de agora, nós dissemos ao governo que viemos à
mesa sem arrogância, dispostos a pôr músculo, nervo, pensamento,
ideias, porém também somos conscientes que, tratando-se de solucionar
um problema tão grave, quem mais tem, mais tem que colaborar.

O governo, o Estado, têm muito para dar ao povo de Colômbia. As FARC,
por nosso lado, temos ideias para contribuir com a construção de uma
Colômbia digna, soberana e em paz, porém aqui quem tem a grana é o
governo...

- Quanta influência pode ter neste contexto o discurso que vem
lançando Álvaro Uribe, opondo-se e estas conversações?

- Este setor é minoritário, no momento atual tem ao redor de 18% de
representação. É um discurso exageradamente retardatário, cheio de
ódio, vingança e retaliação. São fanáticos da guerra, porém isso a nós
não nos preocupa demasiado, porque, a cada dia que passa, o povo
colombiano vai tomando consciência de quem são os promotores desta
violência. Com Uribe estão restabelecendo-se esses setores que são
perigosíssimos. Os Estados Unidos, ao apoiar os diálogos – pelo menos
isso é o que tem dito o Departamento de Estado –, significa que se
separam um pouco do senhor Uribe Vélez, e quem melhor que os gringos
para dar esse sinal? Eles têm todos os expedientes de qual tem sido o
prontuário de Uribe desde que se iniciou na política colombiana. Ele
figura no posto número 82 de uma lista que a DEA tem em seu poder.

- Voltando ao tema do cessar-fogo: se isto não se produzir, e se
incrementam as ações militares por parte do governo Santos, não creem
vocês que se põem em sério perigo estas conversações?

- Sempre é perigoso dialogar sob fogo. Tentar falar sob as balas e os
bombardeios é um risco muito grande. Nós não estamos pedindo nestes
momentos um cessar-fogo, só temos sugerido que deveríamos evitar mais
mortos ao país. O governo respondeu que não, que eles vão seguir com
os bombardeios e as operações militares.

Então, é obrigação da guerrilha defender-se. Nós insistimos em que
quiséramos evitar mais dor, porém parece que o governo considera que
assim vamos ter uma vantagem militar. Se não fosse pela tragédia que
representa para o povo colombiano, isto chamaria ao riso. Porém, é
indubitável que ao estabelecimento parece não importar muito a vida de
seus próprios soldados, e da gente do povo, que toda guerra causa.
Eles consideram que o alto ao fogo deve produzir-se ao final, e nós
pensamos que a mobilização permanente do povo e a mesma pressão
internacional poderia ajudar a que as partes cessassem o enfrentamento
armado, sem vantagismos de caráter estratégico para nenhuma das duas
partes.

- Outro tema difícil é o dos tempos. O Presidente Santos fala de que,
no mais tardar, em junho ou julho de 2013 o conflito deveria ter já
soluções, enquanto que Timochenko tem expressado que isto vai ser um
processo longo.

- Timochenko o disse, e não haveria que pôr-lhe a isto termos fatais.
Somente para chegar agora a conformar uma agenda nos demoramos dois
anos. Esta guerra dura 60 anos, por isso nos parece que é muito
precipitado o dito pelo Presidente, que considera que o conflito se
pode solucionar da noite para o dia. A vida é muito mais rica que
qualquer questão que se proponha na agenda. Os melhores planos falham.
Então, vamos ir olhando cada um dos pontos da agenda, vamos ir
construindo-a, sem pausas, porém sem pressas, como disse um
ex-presidente da República. Aqui, o importante não são as carreiras de
cem metros, mas sim que se vão chegando a acordos e que o país e o
mundo vejam que vale a pena seguir dialogando. Nós não estamos
dispostos a trabalhar contra o relógio, não somos parte das Olímpiadas
que acabam de terminar.

- Que significado dão à frase “deposição de armas”, que figura no
Acordo marco para começar os diálogos?

- A frase tem muitas interpretações. Nós temos dito que, se se abrem
as portas à paz, se se faz um montão de mudanças, se se respiram novos
ares, as armas, ao fim e ao cabo, são simples ferros, que num dado
momento podem ser silenciadas. O que não se pode ocultar são as ideias
que cada combatente tem na cabeça.

As armas, enquanto não haja homens dispostos a dispará-las, por si
sós, não cumprem nenhum papel. Elas servem para defender o povo da
tirania, para evitar a escravidão. Essas armas possibilitaram que
agora o país vislumbre, por fim, a ansiada paz.

- Vocês se alçaram em armas, para denunciar uma ordem injusta [assim o
expressavam seus comunicados fundacionais]. Que lhes faz pensar agora
que nesta mesa de negociações poderão obter o que se lhes negou em
tantos anos de insurgência armada?

- Nós temos dito que não vamos ao diálogo para que nos façam a
Revolução por contrato. Não se trata de fazer a Revolução numa mesa de
negociações. Sustentamos que aqui há duas partes enfrentadas, com
critérios de caráter antagônico. Também dizemos: vocês nos obrigaram a
tomar as armas, buscaram por todos os meios eliminar-nos e não o
conseguiram. A essência da guerra é submeter a vontade de luta do
contendor, e isso tampouco pôde fazer nem vai conseguir o Estado
colombiano. Então, dissemos ao presidente Santos: se você abre as
comportas e dá pé a um novo país, as armas podem ser silenciadas e
buscar por outras vias que se cumpram nossas reivindicações. Em 1964,
disseram-nos nossos fundadores, nós queríamos a via pacífica para a
tomada do poder, porém nos responderam violentamente. Como somos
revolucionários, que de uma ou outra maneira temos que cumprir nosso
papel, nos levantamos em armas até que haja mudanças no país.

Se as mudanças começam a ser produzidas, então nos inserimos na
política, porque as armas não vão cumprir ali nenhum papel. É  tão
limitado este sistema colombiano, que dá vergonha, comparado com
outros países do continente e do mundo. Em outras partes não se
assassina a uma pessoa porque esteja contra tal ou qual posição do
governo, ou simplesmente por reclamar respeito à dignidade humana, ou
defender a soberania do país. Em outros países, não se assassina a
pessoa que faz uma manifestação ou uma ocupação de terras. Em
Colômbia, pensar diferente ao estabelecimento causou, na primeira
etapa da violência, 300 mil mortos, e nesta parte que levamos, já se
passa de 250 mil mortos. Onde se levou uma guerra mais cruel e mais
bárbara contra um povo desarmado? O que não se tem empregado contra as
FARC neste último tempo? A mais alta tecnologia de ponta, os drones,
aviões super Tucano, os globos, toda a inteligência militar do
inimigo, os microchips, bombas inteligentes, para quebrar a vontade de
gente que luta para que no país haja justiça social, liberdade e uma
verdadeira democracia.

- Um dos pontos nodais do acordo marco que será discutido nas
conversações é o tema da terra. Quais são as propostas das FARC para
solucionar a situação dos campesinos colombianos?

- Nós fizemos um pacto de cavalheiros, há uns pontos que vão ser
discutidos na mesa. Com o tema da terra e o desenvolvimento agrário
vamos começar a discussão. Por isso, pelo momento não vamos dar pelo
microfone o que deve ser discutido na mesa de diálogo. Temos uma visão
muito concreta e propostas que fazer, ademais de recolher o sentir das
organizações agrárias, campesinas indígenas, afrodescendentes.
Igualmente, terão que participar nas discussões e dar-nos orientação
as organizações vinculadas aos problemas do campo, porém não somente
isso, senão que também há que ver questão da saúde, da educação, da
moradia, da ecologia e toda a questão da terra.

- Exigirão a reforma agrária?

- Colômbia é o único país da América Latina onde não se produziu
jamais uma Reforma Agrária. 87% das melhores terras do país estão em
mãos de 4% dos proprietários. As grandes fazendas de mais de 500
hectares aumentaram à custa dos pequenos campesinos.

O problema do latifúndio em Colômbia deu origem às primeiras
guerrilhas. Agora, suportamos a investida das transnacionais que
querem apoderar-se das terras, com grandes projetos mineiros e
agroindustriais. Tenhamos em conta que a terra, nestes momentos e a
nível mundial, adquiriu preços exorbitantes.

- Como pode participar a sociedade colombiana atual nas conversações de paz?

- Na mesa se acordaram alguns mecanismos. O povo que está no país pode
participar de fóruns, assembleias, encontros, mingas, onde possam
estar discutindo, por exemplo, o problema da terra. Igualmente, se
podem fazer encontros nacionais para que ali se se contribuam e se
recolham todas as ideias. O problema da terra em Colômbia não apareceu
de ontem para hoje, é um problema histórico, e as organizações
campesinas, indígenas e afrodescendentes vêm tendo uma trajetória de
combate, o mesmo ocorre com as FARC. Em 20 de julho de 1964, as FARC
expediram o Programa Agrário dos Guerrilheiros. Agora atualizamos tudo
isso, e o levamos à mesa para discuti-lo.

- Porém, o governo Santos afirma que já está encarando o problema da terra.

- O governo está interessado em fazer algumas mudanças a nível da
terra, porque tem o interesse de meter toda a questão do capitalismo
no campo. O problema é que necessitam integrar esses dois terços da
Colômbia que representam o país esquecido. Ali, nesse território, se
encontra a guerrilha e não se registra presença do Estado. Pelo qual,
tudo isso teremos que discuti-lo quando toquemos o ponto do
desenvolvimento agrário.

- Ademais, está o tema das áreas com plantações de coca, e o que
significa a nível de monocultivo.

- As plantações de coca não só estão em áreas da guerrilha, mas em
quase todo o país. Dentro do acordo marco, há um ponto para discutir o
tema dos monocultivos. Veja que agora, na Cúpula de Cartagena e na
Ibero-americana que se vai realizar na Espanha, um dos problemas que
se discute é a luta contra o narcotráfico. Em março de 1999, nosso
comandante Manuel Marulanda Vélez fez um estudo sobre o Município de
Cartagena del Chairá. Esse estudo, o apresentou à primeira reunião que
se fez sobre cultivos ilícitos e defesa do meio ambiente no Caguán.
Este é um plano totalizador e tem plena vigência, para toda América
Latina, para que se discuta na OEA e também na ONU. É hora que o
Departamento de Estado norte-americano veja que há uma forma diferente
de atacar o tema da produção e comercialização de narcóticos no mundo.
Para isso, não se necessita somente a questão repressiva, já que este
é um fenômeno econômico, político, militar e social. Milionárias
fortunas se movem ali. Neste momento, o que circula no mundo por
narcóticos são 670 bilhões de dólares. Toda essa torrente de dinheiro
está irrigando a questão financeira dos EUA. Para a América Latina
revertem 20 bilhões, e a Colômbia, que se diz que exporta 80% da
cocaína, recebe 4.500 bilhões de dólares. Quem está fazendo o grande
negócio? Porém, ademais disso, a coca está ligda ao tema dos
precursores químicos, produzidos pelo primeiro mundo. Está ligado ao
tema dos armamentos. Quem os fabrica? Eles também, Ocidente, o
primeiro mundo.

Como se vê, são temas demasiado sérios, e o Estado se deu conta que já
perdeu essa guerra. Por isso, os outros países estão vendo como atacam
este fenômeno, e nesse ponto também as FARC têm propostas para encarar
soluções. É contraditório, porém nesse aspecto podemos ser aliados dos
Estados Unidos. E com a Europa também, já que eles estão prejudicados
em sua juventude, e nós pagando os custos de uma guerra que não é a
nossa.

- Imaginemos que as conversações de paz funcionam, à base de mudanças
e algumas concessões. Que se faz com as bases norte-americanas?

- Esse é um problema de soberania nacional e nós nos temos oposto por
princípio a que haja bases militares, com tropas estrangeiras em
Colômbia. Ali se meteram com o pretexto da luta contra o narcotráfico,
fazendo logo a guerra contra insurgente mais devastadora. Nós temos
recebido as bombas. Nenhum narcotraficante morreu por causa delas,
quando supostamente eram o objetivo destas bases. Tudo o que há em
Colômbia em função das bases é para controlar o continente
sul-americano, senão que também apontar para a África. Nós estamos
firmemente convencidos que essas bases, assessores e tropas
norte-americanas fariam um grande favor à paz, abandonando o
território colombiano.

- Quanto pode influir nestas negociações o resultado das eleições
norte-americanas?

- Com isso se especula muito, apesar de que a política exterior
norte-americana é compaginada pelos dois partidos. Sugerem que o
candidato republicano é muito mais duro que Obama, ou que este vai
mudar de posição, porém a realidade é que em política exterior marcham
como um só homem. Um quisera, porém são desejos, que o senhor Obama
tivesse uma diferente forma de observar a América Latina.

Que visse que esse bloqueio sobre Cuba é obsoleto e que ele como um
democrata deveria ajudar a levantar isto. Ou essa prisão de Guantánamo
que ainda mantêm, e que deveria desaparecer. O real é que, em política
exterior, os EUA vêm apertando cada vez mais o pescoço da América
Latina, por isso estão ficando sós no continente.

- Valorizam as mudanças que se vêm produzindo no continente a nível de
integração dos países?

- Claro, tem surgido uma nova forma de fazer diplomacia dos países
latino-americanos. O fato de que a OEA esteja tão desprestigiada, e
que organismos como a CELAC e Unasul tenham tomado impulso e não
estejam ali representados nem gringos nem canadenses significa que sua
política exterior para a América Latina fracassou. Para os povos, eles
são um perigo, um monstro sedento de nossos recursos naturais.

- Se imaginam participando de alguma forma nas próximas eleições colombianas?

- Esse [tema] é muito cedo para falar sobre ele. Não instalamos ainda
a mesa de conversações. Nós estamos, as 24 horas, pensando em como
vamos assumir o desafio de tratar de chegar a um acordo final e
começar a construção de uma paz para a Colômbia. Não somos
politiqueiros de ofício, há muita gente que gosta disso, nós temos
outra maneira de ver e entender a política. Não nos seduz o sistema
eleitoreiro vulgar, e menos com essa forma que se faz em Colômbia,
que, para chegar ao Parlamento, se você não tem um bilhão ou dois
bilhões de pesos, não pode chegar. Por isso, veja os que estão lá, a
maioria estão investigados [ou inclusive presos] porque a corrupção
desse Parlamento colombiano é assombrosa. O mesmo passa com as
governadorias e as prefeituras. É que as classes governantes do nosso
país são todas corruptas, e têm abusado de um povo que é bom, simples
e trabalhador.

- Vocês acreditam que haveria sido melhor contar nestas mesas que se
estão por abrir com a presença do ELN?

- Nós já fizemos uma experiência com eles na Coordenadora Guerrilheira
Simón Bolívar. Em Tlaxcala, esteve o ELN, o EPL e também nós.
Desafortunadamente, isso não prosperou. Com o ELN vínhamos tendo
algumas fricções há um tempo, isto pelo menos já cessou, e estamos num
processo de unidade bastante avançada. Nós começamos este processo com
o governo de forma separada, porém de todas as formas sempre disssemos
que as portas estão abertas para somar-se, porém o ELN é uma
organização soberana, e eles podem fazer sua própria experiência. Se
num futuro pudermos coincidir, seria muito interessante compartilhar
uma mesa com eles.

- Que passou com a ideia que vocês manifestaram de que Simón Trinidad
se incorpore à mesa?

- Esse é um ponto que nós levamos à mesa de diálogo. Já há
experiências, Mandela estava no cárcere 7 anos, e desde ali conseguiu
incidir muito para derrotar o Apartheid. Simón está condenado por
coisas que o acusam, porém todo mundo sabe que se trata de uma
montagem e uma vingança pelo simples fato de pertencer às FARC.

Nós consideramos que ele deve estar na mesa e vamos lutar por isso.
Sugerimos que os EUA, para remediar em parte tanto mal causado, devem
facilitar as coisas, e esta seria uma forma de fazê-lo, permitindo sua
presença nas negociações.

- Quando se encaram este tipo de negociações, sempre aparecem
palavras-chave como “reconciliação”, “reparação”, “comissão da
verdade”. Que opinam disso de frente ao processo que vão começar?

- Nós acreditamos que em Colômbia pode haer um governo de reconstrução
e reconciliação nacional. Isso pode chegar num dado momento, no
entanto, não nos deixamos levar pelo palavrório vão nem tampouco
necessitamos sair a copiar de outras partes. Aqui tem havido uma
guerra, se o governo tem a disposição política de solucioná-la, e nós
a temos, inclusive podemos criar novos conceitos em muitas coisas.
Cada conflito tem suas particularidades, e o de Colômbia tem sido
extremamente específico. Todos estes temas que você apresenta irão
sendo tratados na mesa de diálogo em seu devido momento.

- Nos últimos anos, vários de seus companheiros do Secretariado
resultaram mortos em combate, produto da ofensiva do Exército. Como
repercutiram estas mortes em vossa luta?

- Os companheiros caídos em combate estão presentes em cada atividade
dos homens e das mulheres das FARC. Em cada um de nossos acampamentos
se têm seus retratos, todas as noites se lhes evoca nos eventos
culturais. Foram nossos guias, nossos mestres, são homens únicos que
ofereceram tudo pela paz em Colômbia. Homens insubjugáveis, que
transcederam mais além do que agora vemos, e que com o tempo suas
imagens crescerão imensamente. São verdadeiros heróis da Pátria. Em
algum momento haverá que dar-lhes o reconhecimento que merecem. Em
muitos países do mundo tem ocorrido assim, as pessoas são perseguidas,
encarceradas, denegridas, e depois, quando as situações se
transformam, resulta que eram os homens que portavam a verdade
histórica, que ofereceram todo seu esforço para transformar a
realidade de humilhações que vivia nosso país.

- Como crê que receberão as mulheres de Colômbia estas conversações de
paz, essas mulheres que são mães, que são filhas de guerrilheiros como
vocês, ou essas outras mulheres da sociedade colombiana que têm
sofrido a violência em todos estes anos?

- As mulheres e todo o povo receberam esta notícia com muito
entusiasmo. A primeira pesquisa mostra que 80% do povo colombiano
estão pela paz. Quando em fevereiro nos reunimos pela primeira vez com
o governo, este praticamente dizia que o país queria uma guerra, que
nos detestavam, e nós lhes dizíamos, não, senhores, a paz é a que
predomina em Colômbia e vocês têm uma distorção total das coisas.
Agora, tiveram que nos dar razão, e se as coisas funcionam isto vai ir
crescendo, e novos atores virão a integrar-se, não somente na
sociedade colombiana como também do exterior. Você vê que o Papa tem
apoiado os diálogos de paz, igual que as Nações Unidas ou a União
Europeia, a presidenta da Argentina, Cristina Fernández, e a do Brasil
[Dilma Rousseff]. Oxalá que os que temos a responsabilidade de
arrancar este processo adiante possamos cumprir a missão que se nos
deu.

- Seguem tendo o socialismo como meta?

- Claro, esse é o único sistema que pode salvar o planeta Terra. Nós
temos lutado pelo socialismo com as armas na mão porque não nos
deixaram outra opção. Vamos, inevitavelmente, pela tomada do poder
para o povo. Isso, não escondemos jamais. Ou se nos permitia fazer
política para expor nossos ideais e alcançar nossos objetivos pela via
legal, ou nos fechavam o caminho violentamente como fizeram todo este
tempo. Não negamos nossa condição de socialistas. As revoluções as
fazem os povos e nós somos parte desse povo. Podemos tratar de
organizar militarmente ao nosso povo, porém também o podemos organizar
politicamente. No momento em que se respeite a vida dessas pessoas que
organizamos politicamente. O que não podemos repetir é a história da
Unión Patriótica, o maior genocídio da América Latina, com 5 mil
mortos, quando tratávamos de abrir um espaço político. Foi um custo
extremamente alto para um país como Colômbia.