"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 6 de abril de 2010

Cardeal Darío Castrillón: Não concordo que se chamem às Farc de narcoterroristas


Fonte: EL TIEMPO

O cardeal Darío Castrillón foi presidente da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei até oito de julho de 2009. Em entrevista a Maria Isabel Rueda, explica como estão suas conversações com essa guerrilha;


Monsenhor, nesta semana aconteceu finalmente, a liberação de dois dos soldados seqüestrados pelas Farc, mas ainda há outros 21 soldados e policiais privados de sua liberdade. Um comentário seu...
Quero ver a parte de vontade que sempre há no coração humano e quero interpretar essas libertações desde esse ponto de vista. É uma manifestação positiva da qual me alegro profundamente como cristão, como cardeal e como colombiano.

Por quê acredita que, diante do repúdio que o seqüestro gera, não os libertam a todos?
Acompanho a dor daqueles que continuam no cativeiro. Mas eles, ao ver estas libertações, terão uma luz de esperança. Todos os colombianos pensantes sabem que na Colômbia vivemos uma guerra, muito parecida a uma guerra civil, no sentido de que um grupo da população tem anseios distintos dos anseios do outro grupo da população. Não quero qualificar o tipo moral destes anseios. Já a igreja se pronunciou para dizer que não estamos de acordo com a violência como caminho para obter determinadas mudanças. Devem se abrir espaços de tipo político, pelos quais se pode chegar a conseguir o mesmo que se busca pelos caminhos que produzem tanta dor e tanta angustia como o seqüestro.

Entendo suas palavra nos moldes da sua missão pastoral, generosa e ampla. Mas, acredite, que para a maioria dos colombianos aqui não há nenhuma guerra civil. Aqui há um pequeno, mas poderoso grupo levantado em armas que está matando. sequestrando e que, há tempos, perdeu seu rumo no narcotráfico. Lá no Vaticano as Farc são vistas como as vemos na Colômbia?
Evidentemente a posição oficial da Igreja é sempre contrária a este tipo de atividades. Mas eu não caio na atitude simplista de colocar todo o mundo no mesmo saco, porque há pessoas que não estão no narcotráfico, mas sim na violência. Tenho estado em acampamentos, em zonas de combate, e conheço pessoas que lá estão, mas que não compartem esses vínculos da guerrilha com o narcotráfico. Tenho fotografias nas montanhas (nestes dias encontrei uma em que está Alfonso Cano, Antequera e outros que já não reconheço). Infelizmente não coloquei data, mas essa foto deve ter uns oito ou dez anos. Tem sido um longo caminho em que tem acontecido de tudo. Boas intenções de ajudar ao povo por caminhos que eu pessoalmente não tenho aceitado. Nisto não me distancio nem um milímetro do que pensa a Conferência Episcopal Colombiana que tem estado, como eu mesmo, em contato direto e ações buscando a paz.

É pior que as Farc, além de violentas, sejam narcotraficantes?
Naturalmente a segunda é pior. Não podemos ser hipócritas nisto. Na Colômbia tem gente de consistência nobre que virou narcotraficante. Famílias reconhecidas como distintas que passaram a se beneficiar, de uma ou outra forma, do narcotráfico. Com venda de propriedades ou participação nos negócios. Todos sabemos, como me dizia um coronel quando estava em Bucaramanga, que muitas pessoas das Forças Armadas, desafortunadamente, também se deixaram levar. Lembro como se fosse hoje que esse coronel me dizia: por favor monsenhor, peça ao ministro para que não mande o nosso batalhão ao norte do departamento da Costa porque correremos o risco de que também os nossos se contaminem. Quando encontraram milhões nas mochilas de cada soldado, o exército fez uma operação relâmpago para purificar, mas, infelizmente (isso dito pelo coronel), até os oficiais voltaram a essa região como narcotraficantes. Tem gente que se perverteu com o narcotráfico no Exército, na Policia, nos grupos de segurança pessoal dos narcotraficantes e de outras pessoas, e nos delinqüentes comuns.

Naturalmente que a decisão de virar narcotraficantes é da cúpula das Farc e não dos seus militantes....
Mas não podemos dizer que absolutamente toda a guerrilha está envolvida no narcotráfico. Sei de um grupo que queria excluir tudo o que tivesse a ver com entorpecentes, drogas e coca. E um comandante me dizia: temos um problema muito grave, porque os camponeses que estão conosco são mais infelizes porque não podem ter cultivos de coca. Mas aqui, falando com pessoas de alto nível, eu lhes dizia que não é realista pensar em substituir drogas por mandioca. Acredito que temos de ser muito claros para ser justos. Evitar generalizações que não só são perigosas, mas odiosas e danosas.

Desde esse ponto de vista, o senhor não concorda com a denominação nacional e internacional de narcoterroristas para as Farc?
Não concordo. Tenho-o dito em altas esferas aqui na Europa, pois me parece que é um simplismo que faz dano. Mas não exclui a afirmação de que sim, tem muita gente que está envolvida plenamente no narcotráfico, e não só provêm da guerrilha. E nesse caso, também se pode chamar de delinquentes comuns aos países que abrem suas portas de uma maneira hipócrita ao mercado da droga.

O quê Sua Santidade, o Papa Benedito XVI sabe sobre o assunto Colômbia? O que ele pensa do que está acontecendo aqui?
Ultimamente não temos falado. Mas tempos atrás falávamos muito, já que trabalhamos muito juntos quando Sua Santidade, o Papa João Paulo II me incluiu numa comissão com o então Cardeal Ratzinger em que nos reuníamos diariamente. Tivemos a oportunidade de falar sobre estes temas. Conhece o assunto da Colômbia em profundidade.

O que há de verdade em que o Senhor, desde o Vaticano, avançou muito nas conversações com as Farc?
Tivemos a oportunidade de conversar e de fazê-lo claramente. Eu costumo dizer o que penso. E desde o ponto de vista da minha missão, sou um convencido de que Jesus é filho de Deus e eu sou ministro Dele. Por isso nunca calei o que é a exigência da nossa doutrina diante destes problemas. E eles, meus amigos, o sabem, e me atrevo a chamá-los assim, em altos níveis da liderança armada da guerrilha. Alguns deles estiveram na minha capela, aqui em Roma, sabem que nunca ocultei a verdade. Sabem que não professo para com eles uma falsa amizade. Sempre disse não ao enriquecimento ilícito fácil; não a pôr em risco a vida de camponeses e de pessoas da cidade; não ao dinheiro mal explicado na política. Sempre disse isso com toda a claridade, na convicção de que sou diante de tudo um sacerdote. Ser cardeal é acidental, o importante num religioso como eu é ser sacerdote. Não é por ser cardeal que posso dizer que absolvo seus pecados. É por ser sacerdote. Não é pelo fato de ser cardeal que posso dizer, de manhã, que este é o meu corpo porque um pedacinho de pão se transforma no corpo de Cristo. Isso me obriga sempre a dizer a verdade, não para defender a pessoa com que estou falando, mas para que se salve entrando pelos caminhos de Deus, que são os únicos da verdadeira felicidade. A droga e o poder das armas não produzem a felicidade. Produzem morte, desolação. E o terrorismo, insegurança maior. Na Colômbia temos que levar em conta que essa realidade nova do terrorismo internacional, como arma de minorias contrarias a governos estabelecidos, é algo que deve ser tratado com diálogo, com inteligência, e que nem sequer as grandes potências conseguiram dominar com o simples emprego das armas.

Mas não me respondeu se a visita desses ‘amigos’ lá na sua capela produziu avanços ou não.
Eu penso que sim. Penso que há uma disponibilidade neles, mas também há, como em todas as pessoas, duvidas de se há verdade no que vai ocorrer. Temos experiências dolorosas no país, da morte de pessoas que dialogaram, o que obrigou aos demais a uma prudência que às vezes paralisa ações que poderiam ser mais fáceis se não houvesse as experiências negativas que temos.

Já se reuniu com Cano, por exemplo?
Temos nos encontrado varias vezes. Nas montanhas, em aeroportos, uma vez em Cartagena, outra no México. E por telefone. Nos conhecemos e tenho falado muito claramente com ele e eu não posso dizer que não tem boa vontade.

Há quanto tempo foi esse último contato com Cano?
Faz alguns meses.

Estamos a um mês do primeiro turno presidencial na Colômbia. Que sugestões faria aos candidatos para que avancem no tema de conseguir a paz?
Gostaria de falar de coisas que sei, não de coisas que imagino. Desde onde estou falando tive encontros com gente da guerrilha. E soube deles que houve políticos colombianos que ofereceram vantagens a alguns grupos se estes os ajudavam nos votos. Eu pediria aos políticos colombianos que não busquem os votos da delinquência comum e de terroristas porque eles mesmos, os políticos, pagariam e fariam o país pagar os votos que conseguirem por esse caminho.

E, baseando-se nessas conversações, o que podemos sugerir aos candidatos presidenciais?
Deve-se colocar harmonia a duas coisas. A primeira, que o Presidente da República tem que defender a ordem, inclusive com o uso da Força Pública, o que tem sido feito pelo Presidente Uribe de acordo com sua consciência. Mas, ao mesmo tempo, deve-se pensar que assim como na guerrilha há pessoas fora da lei, também são colombianos que têm direito a ficar sob o mesmo Sol, sob a mesma bandeira e os mesmos ideais colombianos e deve-se lhes abrir a porta. O Presidente Uribe tentou, o que me consta porque me autorizou para poder falar, e não é fácil pelas acusações de terrorismo contra as Farc. Mas, entretanto, temos chegado a pensar, e o tenho conversado com autoridades daqui, em encontros em que não haja riscos, para aqueles que vêm, de ser detidos como terroristas.

Mas como o senhor faz para se reunir com pessoas internacionalmente apontadas como terroristas?
Pois em acordo com os governos e com a proteção que estejam dispostos a nos dar nestes casos. E existem lugares onde não há esse risco.

Com todo o respeito, o senhor vai votar?
Evidentemente, mas não digo em quem.

Há um menininho, Johan Steven Martinez, filho de um soldado sequestrado, que não conhece o seu pai. E que quando aparece nos meios de comunicação pedindo pela sua libertação, o faz em meio a uma profunda súplica, mas sem amarguras e sem ódios. Poderia mandar-lhe uma mensagem através desta entrevista?
Johan Steven, somente lhe digo uma coisa. Os meninos são privilegiados por Jesus. Jesus, que é Deus, acolhe nossos pedidos. Diga a Jesus que lhe ajude na libertação do seu pai, e esteja seguro de que isso ocorrerá.

E agora a Alfonso Cano...
Alfonso, hoje quero tocar seu coração. Pense neste menininho como uma esperança também de paz e de segurança na Colômbia.

Finalmente tenho que tocar no assunto da pederastia na igreja. Existe a sensação de que este Papa não foi diligente em agilizar essas denuncias quando era Arcebispo...
Não queria entrar nesse assunto. Mas existe um direito na Igreja no qual existe espaço para o arrependimento e a misericórdia, e não somente para o perdão dos pecados, mas para o perdão do delito. E isto foi exercitado pela Igreja desde o principio. Quando o Santo Padre era Arcebispo não fez nada distinto de cumprir as leis da Igreja. Disto não há mais o que falar.

Agora, uma benção para seus queridos fieis colombianos nesta páscoa...
Para todos os católicos, minha benção e para os que não o são invoco a proteção divina no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Uma última pergunta. Seu voto será por um homem ou por uma mulher?
Como você é esperta! Não direi.