"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 19 de março de 2010

O caminho rumo à paz dos cemitérios

Ramón Trujillo
Fonte: Rebelión


Em pouquíssimas ditaduras e em nenhuma democracia do mundo é tão perigoso fazer oposição como na Colômbia.

Quem se opôs ao modelo socioeconômico colombiano, através da política, do sindicalismo e de diversas expressões de ativismo cívico, tem sido objeto sistemático de ameaças, sequestros, torturas, assassinatos e desaparecimentos. Aqueles que denunciaram tais violações dos direitos humanos sofreram a mesma terapia. O grêmio dos profissionais da barbárie é tão poderoso que está a ponto de culminar a maior contrarreforma agrária do mundo: expulsaram de suas casas e de suas terras a quase quatro milhões de pessoas e se apropriaram de boa parte de tão imenso patrimônio. Atualmente a Colômbia é o segundo país do planeta com mais êxodo interno.

Estas são as realidades em que devia estar pensando quem escreveu que a Colômbia seja, quiçá, o inferno de outros planetas. Durante os vinte e três anos passados, até agosto de 2009, a cada três dias foi assassinado um sindicalista, até chegar a 2.704 pessoas. O partido político da esquerda União Patriótica desapareceu, em 2002, depois de ter sofrido os assassinatos de candidatos presidenciais, congressistas, senadores, prefeitos, vereadores e militantes. No total, mais de 4.000 integrantes desse partido foram exterminados. No período 1993 – 2007, foram assassinados, pelo menos, 125 jornalistas. Entretanto, a Colômbia continua sendo considerada uma democracia em que há liberdade política, liberdade sindical e liberdade de expressão. Podemos-nos perguntar como é que ainda existem ditaduras tão idiotas que não se autoproclamam democracias, que não instituem todas as liberdades em códigos legais fictícios, já que o disfarce de democracia ajuda a reprimir melhor, pois facilita para a comunidade internacional a tarefa de olhar para outra parte.

A violência tem a virtude de se transformar a se mesma em desnecessária. Sim, em 1996, na Colômbia foram assassinados 274 jornalistas. Doze anos depois foram assassinados somente 49. O país continuava sendo campeão mundial em assassinatos de sindicalistas, mas o governo de Álvaro Uribe podia presumir de uma redução espetacular desses crimes. Na realidade, somente havia perto de 4% de trabalhadores sindicalizados e já não era necessário matar tanto como antes. Tinha chegado a paz dos cemitérios, acompanhada de 95,6% de impunidade nos crimes contra sindicalistas. Para deixar bem claro, se o ativismo sindical renasce, a caça de sindicalistas é delito, mas que não é castigado.

No passado mês de janeiro, viajei à Colômbia como integrante de uma missão de verificação dos direitos humanos. Escutei os magistrados da Corte Suprema queixarem-se da espionagem e do fustigamento a que são submetidos pelo governo de Álvaro Uribe. Criticaram as manobras do presidente para libertar a mais de trinta deputados da sua aliança política, aprisionados por cumplicidade com o paramilitarismo que já perpetuou milhares de crimes horríveis.

Em Cali, escutei os familiares das vitimas da política de “segurança democratica”, um slogan que teria impressionado o próprio Goebbels. O governo de Uribe ofereceu recompensas em dinheiro aos seus militares, dias de férias e promoções, para cada guerrilheiro morto. Então ocorreu o que tinha que ocorrer ao dar esses incentivos a um exército com um histórico de direitos humanos horrível. Por exemplo, o pai de Marta Giraldo foi assassinado e vestido de guerrilheiro para obter a recompensa. Seu irmão levou tiros para que desistisse de denunciar a morte de seu pai. Marta voltou a ser ameaçada no mês passado para que esqueça a denuncia contra os assassinos de seu pai. Existem 2.981 casos documentados semelhantes a este.

Em Bogotá, escutei o testemunho da mãe de uma moça de quinze anos de idade assassinada quando saiu para fazer os preparativos do primeiro aniversário do assassinato de seu pai. Quando a mãe levantou a tampa do féretro da sua filha viu que tinham lhe cortado as mãos e os seios. Por ter denunciado estes crimes dos paramilitares sofreu ameaças e agressões em Bogotá em 2008.

Os paramilitares foram, oficialmente, desmobilizados entre 2003 e 2006. Entretanto, alguns continuaram com suas atividades, outros ficaram ricos com o controle de instituições locais, muitos se apropriaram das terras arrebatadas dos camponeses e, mesmo assim, os militares que lhes deram apoio apenas foram incomodados. O presidente Uribe criou uma lei ineficaz para castigar levemente os paramilitares e inseri-los logo na vida civil. Mas, a Corte Constitucional mudou a lei e estabeleceu incentivos reais para que contassem a verdade. Em fevereiro de 2008, as declarações dos chefes paramilitares permitiram abrir investigações contra o vice-presidente, onze senadores, oito congressistas, quatro governadores, vinte e sete prefeitos, trinta e nove militares e cinquenta e dois policiais. Uribe entrou em pânico e, em maio, esses paramilitares foram extraditados para os EUA, acusados de narcotráfico, para que deixassem de falar dos seus vínculos com a política.

Tal como documenta um recente relatório da Human Rights Watch, o paramilitarismo continua vivo na Colômbia e está se reforçando. Entretanto, em janeiro, tive a sensação de estar na Embaixada da Colômbia na Colômbia, quando escutei o embaixador da Espanha duvidar da existência atual do paramilitarismo e assumir, mais ou menos, as conquistas da “segurança democrática” de Uribe. Quando perguntei a um dos magistrados da Corte Suprema se o paramilitarismo continua existindo, este contestou que a desmobilização foi a entrega de “duas vassouras e duas espingardas” e que continuam atuando. O papel da Embaixada da Espanha e do ministro de Relações Exteriores, que recentemente elogiou as conquistas de Uribe na questão dos direitos humanos, é absolutamente lamentável. E ainda anuncia o apoio a um tratado comercial entre a União Européia e a Colômbia que deveria ser suspenso até que se consigam avanços verdadeiros na questão dos direitos humanos.

Por que não condenamos o governo colombiano? Por que o Estado que mais viola os direitos humanos na América Latina não é o mais denunciado? Por que denuncia-se com tanta intensidade as violações dos direitos humanos em países que os violam muitíssimo menos que na Colômbia? Por que não se denuncia mais a quem mais os pisoteia?

Na minha opinião, um observador racional perceberá que as denuncias mais constantes e intensas das violações dos direitos humanos na América Latina, se concentram em aqueles estados que mais restringem o investimento estrangeiro em seu território. O direito dos investidores de investir sem travas parece ser o direito humano que realmente importa. E nisso a Colômbia está na vangurda. Sua Constituição de fato começa com: “Nós, os investidores...”.


* Ramón Trujillo é coordenador da Esquerda Unida em Tenerife.