"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

Camilo Torres: O Cristianismo rebelde na América Latina


Inácio Strieder *
Fonte:www.adital.com.br

Donde cayo Camilo nació una cruz
pero no de madera sino de luz.

Lo mataron cuando iba por su fusil.
Camilo Torres muere para vivir.

Cuentan que tras la bala se hoyo una voz
era dios que gritaba revolución.

Va a revisar la sotana, mi General,
que en la guerrilla cabe un sacristán.

Lo clavaron con balas en una cruz,
lo llamaron bandido como a Jesús (Bis)

Y cuando ellos bajaron con su fusil
se encontraron que el pueblo tiene cien mil

Cien mil Camilos pronto a combatir
Camilo Torres muere para vivir.

(Victor Jara)


"Não deporei as armas enquanto o poder não estiver totalmente nas mãos do povo". (Camilo Torres)

Jorge Camilo Torres Restrepo nasceu em Bogotá, Colômbia, em 03 de fevereiro de 1929. Sua família pertencia à alta burguesia liberal da Colômbia. Seu pai, Calixto Torres Umaña era um prestigioso professor de medicina na Universidade Nacional da Colômbia, e de 1931 a 1934 representou seu país como Cônsul, em Berlim. Com a separação dos pais, em 1937, Camilo foi morar com sua mãe, Isabel Restrepo Gaviria Torres, e com seu irmão Fernando, em Bogotá.


Depois do curso secundário, freqüentou, em 1947, durante um semestre, o Curso de Direito na Universidade Nacional da Colômbia. Em inícios de 1948 resolve entrar no Seminário Conciliar de Bogotá e preparar-se para o sacerdócio. Ali permaneceu durante sete anos, sendo ordenado padre em 1954. Logo em seguida é enviado à Bélgica para estudar sociologia na Universidade Católica de Lovaina. Em 1958 se graduou como sociólogo, apresentando um trabalho que analisava a proletarização de Bogotá.

Voltando a Bogotá em 1959, foi nomeado capelão da Universidade Nacional. Ali, juntamente com outros participantes, fundou a Faculdade de Sociologia, onde, durante algum tempo foi professor. Em 1961, Camilo Torres começou a ter problemas com o Cardeal Luís Concha Córdoba, que não via com bons olhos os seus trabalhos. Foi, então destituído do cargo de capelão, das atividades acadêmicas e das funções administrativas na Universidade Nacional.

Na tentativa de afastá-lo do mundo acadêmico, o cardeal o nomeou administrador paroquial de uma paróquia na periferia de Bogotá. Mas, Camilo não renunciou ao seu engajamento social. Em 1965 foi pressionado, pelo alto clero, a renunciar ao ministério sacerdotal. E em 27 de julho de 1965 celebra a sua última missa. Em sua "Mensagem aos cristãos", pouco tempo depois, já integrado no ELN, declara: "Deixei os privilégios e deveres do clero, porém não deixei de ser sacerdote. Creio que me entreguei à revolução por amor ao próximo. Deixei de rezar missa para realizar este amor ao próximo, no terreno temporal, econômico e social. Quando meu próximo não tiver mais nada contra mim, quando tenha realizado a revolução, voltarei a oferecer missa, se Deus me permitir. Creio que assim sigo o mandamento de Cristo: ‘quando levares tua oferenda ao altar, e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda sobre o altar, e vai reconciliar-te com teu irmão, e então volte e apresente tua oferenda’(Mt 5, 23-24).

Depois da revolução, os cristãos teremos a consciência de que estabelecemos um sistema que estará orientado para o amor ao próximo".

Livre das imposições canônicas, Camilo intensificou a sua participação política, criando a "Frente Unida do Povo", como contraponto ao duvidoso "Pacto Nacional", celebrado entre liberais e conservadores. Já em 1964, quando o Governo bombardeou a região de Tolima com napalm, Camilo havia tentado um contato com o grupo de guerrilheiros, que dariam origem, em 1966, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, (as FARC). Mas o diálogo com este grupo revolucionário comunista não progrediu. Menos complicado foi o contato com o ELN (Exército de Libertação Nacional, criado em 1964). Entretanto, Camilo fortalece a "Frente Unida do Povo" e cria o jornal semanário da "Frente Unida"; convoca o povo para as praças públicas, e prega a abstenção nas próximas eleições, como posicionamento revolucionário.

O sucesso político de Camilo cresce vertiginosamente, e as pressões governamentais aumentam. Acusam-no de subversivo. Assim pressionado, resolve colocar-se a serviço dos comandantes do Exército de Libertação Nacional.

Nos últimos meses de 1965, o padre guerrilheiro Camilo Torres envia mensagens aos cristãos, aos militares, aos camponeses e à Frente Unida do Povo. E em 15 de fevereiro de 1966 Camilo Torres morre em combate. Era a primeira ação guerrilheira armada de que participava. Até hoje não se sabe onde o exército colombiano enterrou seu corpo.

Os ideais de Camilo Torres

Camilo Torres considerava que quem definia o caráter pacífico ou violento da sociedade não era a classe popular, mas, sim, a classe dos governantes. Assim, propôs um "projeto de libertação" no qual podiam participar todos os homens e mulheres da Colômbia, guiados por uma opção chamada, por Torres, de "o amor eficaz para todos". Sua ação e pensamento se converteram num convite permanente para a luta, para que "a próxima geração não fosse mais de escravos, mas de homens livres".

Como Camilo Torres chegou a estas suas conclusões?

Desde cedo, Torres manifestava sua compaixão para com os oprimidos. Ainda criança, e vivendo com seu pai médico, distribuía as amostras grátis dos remédios que o pai recebia entre os trabalhadores de uma cerâmica, não muito distante de sua casa. O dinheiro que recebia para ir ao cinema o dava a crianças pobres das favelas. Quando abandona o curso de Direito, para entrar no seminário, declara que havia compreendido que "a vida, assim como a vivia e entendia, não tinha sentido". Por isto desejava ser padre para se tornar um "servo da humanidade", pois descobrira que "o cristianismo era um caminho totalmente concentrado no amor ao próximo".

Mais tarde, quando lhe perguntaram por que deixara o ministério sacerdotal, respondeu: "Abandonei o ministério sacerdotal (não o sacerdócio, pois este é eterno!) pelas mesmas razões pelas quais me comprometi com ele. Descobri o cristianismo como uma vida centrada totalmente no amor ao próximo; dei-me conta de que valia a pena comprometer-me com este amor nesta vida. Escolhi o sacerdócio para converter-me em um servidor da humanidade. Foi depois disto que compreendi que, na Colômbia, não se pode realizar este amor simplesmente por beneficência, mas que era urgente uma mudança de estruturas políticas, econômicas e sociais, que exigiam uma revolução, à qual este amor estava intimamente ligado. Mas, desgraçadamente, enquanto minha ação revolucionária encontrava uma resposta bastante ampla no povo, a hierarquia eclesiástica, em um determinado momento, tentou calar-me, contra a minha consciência que, por amor à humanidade, me levava a defender tal revolução. Então, para evitar qualquer conflito com a disciplina eclesiástica, solicitei a dispensa da minha sujeição a estas leis.


Não obstante, me considero sacerdote até a eternidade, e entendo que meu sacerdócio e seu exercício se cumprem na realização da revolução colombiana, no amor ao próximo e na luta pelo bem-estar das maiorias". Para ele, a pura beneficência, a caridade, as esmolas nada mais são do que "a bebida que se dá ao tuberculoso para que pare de tossir".

Naturalmente, com este apelo revolucionário, surge a pergunta: o que Camilo Torres entende por revolução?

Em diversos momentos ele se explica, e diz: "(Entendo por revolução) uma mudança fundamental (e rápida) das estruturas econômicas, sociais e políticas. Considero essencial a tomada do poder pela classe popular, pois a partir dela surgem as realizações revolucionárias, que devem priorizar a propriedade da terra, a reforma urbana, a planificação integral da economia, o estabelecimento de relações internacionais com todos os países do mundo, a nacionalização de todas as fontes de produção, dos bancos, dos transportes, dos hospitais, dos serviços de saúde, assim como outras reformas que sejam indicadas pela técnica, para favorecer as maiorias, e não as minorias, como acontece hoje em dia".

Camilo Torres considera que, nesta revolução, o fundamental a se conquistar é a mudança da estrutura de poder, retirando o poder das mãos da oligarquia e colocando-o nas mãos do povo. E quem dirá se esta tomada de poder será pacífica ou violenta são as oligarquias. Se as oligarquias quiserem entregar o poder pacificamente, o povo o tomará pacificamente; mas, se apelarem para a violência, terão violência. Mas, antes de apelar para a violência, diz Camilo, devem se esgotar todos os caminhos pacíficos. No entanto, ele não confia muito em que as oligarquias entreguem o poder sem luta. Contudo previne que, antes de se apelar para ações revolucionárias violentas, a doutrina social da Igreja ensina que é necessário verificar quais as conseqüências de tais ações.


Evidentemente, os resultados não poderão piorar a situação que se pretende corrigir. Para ele, a mudança das estruturas de poder na Colômbia devem mudar de qualquer forma, pois o perigo de piorar é muito pequeno, observando-se o número de crianças que morrem de fome, as meninas menores na prostituição, os constantes massacres, a violência e a miséria generalizadas em todo país, ao lado de minorias opressoras, coniventes com o imperialismo americano e sempre mais ricas.

Frente aos jornalistas, Camilo Torres, muitas vezes, teve que justificar sua atitude revolucionária, já que era cristão e padre. Dando suas explicações, ele diz: "Sou revolucionário como colombiano, como sociólogo, como cristão e como padre. Como colombiano, porque não quero ficar distante da luta de meu povo. Como sociólogo, porque minhas intuições científicas, em relação à realidade, me convenceram que é impossível chegar a soluções efetivas e adequadas sem uma revolução. Como cristão, porque o amor ao próximo é a essência do ser-cristão, e o bem-estar da maioria não se consegue sem a revolução. Como sacerdote, porque a entrega ao próximo, que exige a revolução, é um requisito da caridade fraterna, indispensável para celebrar a missa, que não é uma oferenda individual, mas de todo o povo de Deus por intermédio de Cristo"

O amor que Camilo pregava devia ser um amor eficaz, pois "a fé sem obras é morta" (Tg 2,17).
O texto que ele, muitas vezes, citava era o do Evangelho segundo Mateus 25,31-46, onde Cristo coloca os critérios de julgamento no juízo final: "Tive fome e me destes de comer...". Para Camilo, este texto somente cria valor se nos perguntarmos, nas circunstâncias concretas de nossa realidade, de que maneira somos capazes de dar de comer à maioria dos famintos, vestir a maioria dos desnudos, a abrigar a maioria dos sem-teto. E isto, segundo sua convicção, na Colômbia não se conseguiria sem reformas estruturais profundas em favor das maiorias. E se a revolução for necessária para realizar o amor ao próximo, o cristão deve ser um revolucionário.

*Inácio Strieder é professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.