"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 11 de março de 2008

Uribe e não Chávez deveria ser levado à Corte Penal Internacional



Ewa Sapiezynska e Fernando Casado Gutiérrez/Rebelión

Em meio à crise política entre Equador, Colômbia e Venezuela pelo assassinato de Raúl Reyes, o número dois das FARC, em território equatoriano, Álvaro Uribe anunciou a denúncia de Hugo Chávez ante a Corte Penal Internacional (CPI) “por patrocínio e financiamento de genocidas”. Ao parecer, Uribe havia encontrado num computador pertencente a Raúl Reyes, e que sobreviveu ao bombardeio do acampamento onde se encontrava, informação que “prova” que Chávez doou às FARC 300 milhões de dólares e uma dotação de armas.

A CPI, situada em Haia (Países Baixos), foi criada para julgar “os crimes mais graves de transcendência para a comunidade internacional em seu conjunto” (artigo 5 do Estatuto de Roma, que regula a CPI). Estes crimes são genocídio, crimes de guerra, crimes de lesa-humanidade e agressão. Por genocídio se entende “a intenção de destruir total ou parcialmente a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. (art 6) Dada esta definição do genocídio, não é possível aplicar-lhe o qualificativo a Chávez, sobretudo tendo em conta que são os documentos supostamente encontrados num computador o que lhe vincula às FARC.

As calúnias vertidas sobre Chávez, na realidade, não se as crê nem o próprio Uribe, de fato, a maioria dos membros da Comissão Assessora de Relações Exteriores, que integram os ex-governantes colombianos, entre outros, expôs a Uribe reconsiderar a demanda ante a CPI durante uma reunião na terça-feira 4 de março, na qual analisaram a crise diplomática com Equador e Venezuela. Seguramente, a Comissão se deu conta do ridículo da acusação, porém o dano já estava feito, ainda que o farol de Uribe não chegue a mais, os principais meios de comunicação ocidentais publicaram a denúncia contra Chávez e muitos deles se atreveram a dar como certa sua relação com as FARC, com o que a tática de distração, na qual o agressor se fez passar por vítima, teve o efeito esperado.

Agora, por outro lado, poderíamos estudar as possibilidades que existem de sentar a Uribe no banco dos acusados da CPI. Primeiro, haveria que ver os vínculos que tem Uribe com os grupos de paramilitares que existem na Colômbia, para depois estabelecer se as atividades delituosas destes grupos criminosos poderiam cair dentro da jurisdição da CPI.

O chamado escândalo da “parapolítica”, por ele se descobriram nexos entre altos cargos públicos colombianos e os paramilitares, tem levado ante as instâncias judiciárias colombianas, até agora, a 56 congressistas e muitos altos cargos públicos. Hoje em dia já são 22 os congressistas [1] que estão no cárcere, todos pertencentes a partidos políticos parte da coalizão que apoiou a Álvaro Uribe a conseguir a presidência. Os últimos curules foram detidos em fins de fevereiro, o que mostra que o escândalo continua e para nada se descartam novas detenções no futuro. A detenção de um destes congressistas, o senador Álvaro Araújo Castro, por seus vínculos com grupos paramilitares, provocou a renúncia de sua irmã, que atuava nesse momento como Chanceler no governo de Uribe.

Entre os funcionários de alta confiança e nomeados por Uribe implicados no escândalo e detidos atualmente, encontramos a Jorge Noguera, o ex-diretor do Departamento de Segurança (DAS). Noguera tem sido acusado de permitir a infiltração de paramilitares no DAS. Também foi acusado de haver dado aos paramilitares uma lista com nomes de sindicalistas, muitos dos quais foram assassinados subseqüentemente. Seu processo segue em curso na Fiscalização.

O vice-presidente de Uribe, Francisco Santos Calderón, foi acusado por um ex-chefe desmobilizado do grupo armado ilegal das AUC, de haver-lhe proposto criar uma organização paramilitar que operasse em Bogotá. Pelo que também poderia ser levado aos tribunais se saem à luz as provas necessárias para incriminar-lhe. Inclusive, o irmão do Presidente, Santiago Uribe, e seu primo, o senador Mario Uribe Escobar, poderiam estar implicados em delitos de lesa-humanidade. Com respeito a Santiago, a Justiça informou que “se ditou um auto inibitório” e que “se em algum momento aparecem novas provas, se pode reiniciar a investigação”.

Os grupos armados ilegais de extrema-direita, normalmente conhecidos como paramilitares, são responsáveis de uma grande quantidade de crimes que entram dentro da categoria de lesa-humanidade [2], processável ante a CPI. Os fiscais da Colômbia que investigam aos paramilitares desmobilizados têm documentado uns 14.000 crimes atribuídos a eles. São casos de execuções, matanças, torturas, desaparições forçadas e expropriação de bens, entre outros [3]. Estas atividades se têm realizado de maneira sistemática e onde o alvo tem sido justamente os movimentos sociais, organizações comunitárias e partidos políticos de esquerda.

Muitos dos delitos foram cometidos depois de julho de 2002, momento a partir do qual entrou em funcionamento a CPI, e pese a que Colômbia realizou, pelo artigo 124 do Estatuto de Roma [4], uma salvaguarda a respeito dos crimes de guerra [5], ainda se podem julgar ante a CPI os delitos de lesa-humanidade que se têm levado a cabo pelos paramilitares, que não são poucos.

De fato, a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), uma ONG que reúne a 116 organizações em cerca de 100 países, tem introduzido várias comunicações ante a Fiscalização da CPI para que investigue aos responsáveis de crimes sob sua jurisdição na Colômbia. Segundo a FIDH, a Lei de Justiça e Paz promovida pelo governo de Uribe para desmantelar os grupos paramilitares é somente uma tela, pois, na realidade, com esta lei se está legitimando a impunidade de seus crimes.

Dados os estreitos laços entre os paramilitares (dos quais há provas da imputação de delitos de lesa-humanidade) e o governo e família de Uribe, junto à impunidade reinante pelos delitos cometidos ajudados com a Lei de Justiça e Paz, poderia perfeitamente apresentar-se uma demanda ante a CPI para que o Fiscal deste organismo investigue a responsabilidade de Uribe e outras pessoas, ao tempo em que avalia a Lei de Justiça e Paz.

Na quarta-feira 5 de março, à noite, durante uma rodada de imprensa conjunta com o Presidente do Equador, Rafael Correa, Chávez expressou que queria apresentar-se ante a CPI, porém acompanhado de Uribe. Chávez sabe que ele tem as mãos limpas de sangue e Uribe não. Enfim, não nos apressemos, Uribe simplesmente quis fazer um pequeno “show”, a realidade é que o caso da parapolítica avança e que a CPI está consolidando-se. Para desgraça de Uribe, já existem precedentes recentes em que as instâncias judiciais estrangeiras, a cooperação judicial e a pressão internacional têm servido para levar a julgamento a ex-presidentes criminosos, e se não que se o digam a Pinochet ou Fujimori. O que está claro é que, cedo ou tarde, ainda que não creio que demasiado tarde, e por seus próprios atos, Uribe também cairá, Chávez se segue como até agora não.

[1] Os nomes destes congressistas são: Álvaro García Romero, Erick Julio Morris, Jairo Merlano, Álvaro Araújo Castro, Dieb Maloof, Mauricio Pimiento, Luis Eduardo Vives, Alfonso Campo Escobar, Miguel Alfonso de la Espriella, Juan Manuel López Cabrales, Reginaldo Montes, José Santos Negrete, William Montes, Óscar Wilchez, Karelly Patricia Lara Vence, Luis Humberto Gómez Gallo, Ciro Ramírez, Luis Fernando Almario, Pompilio Avendaño e Dixon Tapasco e Enrique Emilio Ángel.

[2] O crime de lesa-humanidade se considerará “qualquer dos atos seguintes quando se cometa como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e com conhecimento do dito ataque: a) Assassinato; b) Extermínio; (...); d) Deportação ou translado forçado de população; e) Encarceramento ou outra privação grave da liberdade física; (...) f) Tortura; g) Violação; (...) h) Perseguição de um grupo ou coletividade com identidade própria fundada em motivos políticos; (...) i) Desaparição forçada de pessoas; (...) k) Outros atos inumanos de caráter similar que causem intencionalmente grandes sofrimentos ou atentem gravemente contra a integridade física ou a saúde mental ou física”. Art. 7 do Estatuto de Roma.

[3] A ONG Centro de Investigação e Educação Popular documentou, por meio de seu Banco de Dados de Direitos Humanos e Violência Política, 14.476 crimes de lesa-humanidade perpetrados pelos paramilitares. O estudo recolhe 11.161 casos de pessoas executadas, 1.869 desaparecidas e 164 torturadas.

[4] O artigo 124 estabelece: “...ao fazer-se parte no presente Estatuto, poderá declarar que, durante um período de sete anos contados a partir da data em que o Estatuto entre em vigor a seu respeito, não aceitará a competência da Corte sobre a categoria de crimes a que se faz referência no artigo 8 quando se denuncie a comissão de um desses crimes por seus nacionais ou em seu território...” Estas categorias estabelecidas no artigo 8 são (como se disse mais acima): genocídio, crimes de guerra, crimes de lesa-humanidade e agressão.

[5] (...) Aos efeitos do presente Estatuto, se entende por “crimes de guerra”: a) Infrações graves dos Convênios de Genebra de 12 de agosto de 1949, a saber (...): i) O homicídio intencional; ii) A tortura ou os tratos inumanos (...); iii) O fato de causar deliberadamente grandes sofrimentos ou de atentar gravemente contra a integridade física ou a saúde; iv) A destruição e a apropriação de bens (...); v) O fato de forçar a um prisioneiro de guerra ou a outra pessoa protegida a servir nas forças de uma potência inimiga; (...) vii) A deportação ou o translado ilegal ou o confinamento ilegal;

viii) A tomada de reféns; b) Outras violações graves das leis (...)”
Art. 8 Estatuto de Roma