"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O Deslinde e a Memória de Don Petro

O deslinde que faz com sua dignidade e sua memória Don Enrique Petro, o vigoroso campesino, não caindo nas armadilhas de uma democracia de ficção que o estafou, cortando ele agora, com seu coração e seu direito, a palma para agronegócios dos paramilitares, pode conduzi-lo à morte. O deslinde que com sua debilitada memória comete o senador Petro, pode conduzir outros a morte, pelo fato de ficar marcados se não condenam um direito dos povos, como é o da rebelião, conforme o requerimento tosco do senador. Escreve Carlos Alberto Ruiz. Artigo tomado do portal da Rebelião. Senador Petro



[Carlos Alberto Ruiz*/Rebelião]


Tenho a sorte de conhecer Don Petro, Don Enrique, um curtido e querido campesino que em 29 de junho de 2007 retornou à sua propriedade em Curvaradó, perto da fronteira com o Panamá. Chegou acompanhado de dezenas de seres que como ele guardam um sentimento de indignação pelo acontecido. Os paramilitares e militares que escoltam a expoliação o expulsaram há anos de seu território, como a milhares de famílias de comunidades campesinas, negras e indígenas. Agora está coberto de palma azeitera (conhecido no Brasil como dendezeiro- NT) por empresas criminosas. Ali regressou ele outra vez e começou a cortar palma, a recuperar seu terreno, e, com esse pedaço daquilo que era selva, recobrou uma parte importante das razões para viver e morrer. De alguma maneira seu valoroso ato reflete e condensa a história do país. De um povo ludibriado que toma consciência de suas lições e forças a partir do sofrimento, que não se fixa somente na dor, e que luta. Ninguém medianamente decente e estudioso no empenho de buscar a paz justa pode negar que a origem do conflito social, político e armado, faz-se no acesso a terra, entre outros direitos historicamente negados, e que os setores dominantes têm gerado uma cultura de violência e impunidade para arrebatá-la aos pobres como fonte primária na reprodução de relações e estruturas de injustiça e servidão.


Não conheço o outro Sr. Petro, o senador do Polo. Sim, tenho-no visto, muitíssimas vezes, na televisão, nos noticiários, na imprensa, e o escutado também protagonizar na rádio. Ninguém pode negar seu arrojo, como tampouco o valor e a valentia de muitos opositores ao regime de Uribe, que, ao contrário do que passa com o senador, não tem a seu alcance os meios de comunicação do sistema. Recordo do senador Petro que foi parte da embaixada colombiana em Bruxelas, como aconteceu também com outros integrantes de guerrilhas que pactuaram sua entrega entre 1989 e 1990, e que obtiveram alguns postos em delegações diplomáticas, como Vera Grace na Espanha, ou Bernardo Gutiérrez na Itália, entre outras coisas. Este ano, 2007, soube de um debate sobre o paramilitarismo, e que houve, por parte de Petro algumas propostas ambíguas a respeito, como um acordo de todos pela verdade que defraudava expectativas de vítimas de crimes de lesa humanidade. Nestas mesmas páginas de rebelião.org, em abril, expus a propósito: “O debate sobre a para-política, que acreditávamos um livro apenas aberto, com seus respectivos capítulos e anexos, parece que teve com essa encenação uma espécie de epílogo, que termina o que apenas levemente começava a descobrir-se, que é em grande parte o que há muitos anos as vítimas e organismos de direitos humanos já testemunhavam e documentavam sem maior eco.”
Com sentido de oportunidade na obscuridade da vociferação do Pólo, disse Petro na revista colombiana Cambio (11 de setembro de 2007): “nós afirmamos que são como o movimento do Pol Pot no Vietnã, um dos mais criminosos e antidemocráticos da história. Afirmamos que as Farc não são revolucionárias, que não são de esquerda mas de direita e que são criminosas... O Pólo tem que lutar é pelo aprofundamento da democracia e não contra Uribe, que é um cidadão passageiro”. Petro propõe “desfarquizar” a Colômbia , assim como formulou, segundo suas palavras, “deparamilitarizá-las”. E arremata o senador Petro sobre a candidatura à prefeitura de Bogotá: “Apoiei Maria Emma Mejía e teria preferido um governo de Carlos Vicente de Roux”. Ou seja, o político Petro reconhece que apoiou duas pessoas que, a seu modo, contribuíram para a entronização do paramilitarismo e a impunidade.
Tive oportunidade de escrever nesse portal: “Busca-se e não se encontra de lado nenhum, todavia, declarações de contrição, por exemplo de Carlos Vicente de Roux, nada menos que o Conselheiro Presidencial de Direitos Humanos dos presidentes Gavíria y Samper, ou de Maria Emma Mejía, chanceler desse último, ambos hoje destacados políticos do Polo. A memória evoca, desenterra e reconstrói centenas de casos nos quais pudemos ver não só seu desplante, mas o cinismo de suas ações no marco da perversão do sistema de impunidade que os contratava. Campesinos, sindicalistas, indígenas, ativistas sociais, defensores de direitos humanos, que com sua digna luta sobrevivem às conseqüências desse arrasamento, não esquecem a infâmia do trabalho dos que se empenharam no acobertamento dessa para-política”.
“Temos diante de nós os discursos do ex-conselheiro presidencial de Roux ou da ex-chnaceler Mejía, e de vários outros, e as mais terríveis isenções de responsabilidade que beneficiaram o Estado, numa época de crimes atrozes. O silêncio de então, quando não sua aberta defesa de uma lógica de álibis e evasivas que souberam transmitir dos seus cargos civis, deve exortarmos a inverter o valor moral daquela máxima: “Somos donos de nossos silêncios e escravos de nossas palavras”. Eles, os que transigiram e agraciaram crimes do Estado, são escravos de seus silêncios. Bertrand Russel referiu-se aos “criminalmente ignorantes das coisas que tinham o dever de saber”. E também que “é impossível manter a dignidade sem a coragem para examinar esta perversidade e opor-se a ela”.
No mês de maio de 2007 do mesmo modo recordei: “A respeito há silencio dos implicados e desconcertadamente um silêncio corporativo que já conhecemos. Olhar para outro lado é a realpolitik que amamenta convenientemente a muitos. Ao menos Mancuso reconheceu uma importante parte de sua responsabilidade. O problema moral está exposto, indiscutivelmente: aqueles que muito menos devem, evidentemente, muito menos, ou nada, tem feito para contribuir com a verdade que lhes cabe desvendar. Mejía, de Roux e outros continuam placidamente suas campanhas políticas, sem explicar o que deveriam às vitimas as quais devem”.
Petro está em campanha. Não há duvida. Está em seu direito. Como outros também estão no direito de resistir. Entre eles os que indefesos diante da agressão e da impunidade, depois de provar centenas de vezes e por muitos anos perante instâncias do Estado, têm tido que travar contendas desiguais, com a memória na mão, como a de Don Enrique Petro. Em seus olhos e mãos trabalhadoras está marcado esse grito rebelde que é também o de milhares de colombianas e colombianos que têm se levantado de diversas formas, legais e extralegais, contra a opressão. É um direito humano e dos povos. O senador Petro deveria saber disso por seu passado, ainda que seja difícil não naufragar atado aos grilhões de mecanismos psicológicos que vão da justificação do arrependimento à defesa do instituído e seus benefícios. Porém seu labor de político de centro deveria estar acima de sua defecção, pois o responzabiliza o fato de ter cativado um certo eleitorado com um discurso crítico de esquerda, dentro de uma coalizão que ele e outros rentabilizaram, mas quando esta nasce nas fumegantes fossas detrás do vazio que deixou o terrorismo de Estado, logo de massacre de honestos lutadores populares, depois do genocídio político cometido contra a União Patriótica e outras organizações e setores alternativos. “Fazer lenha das árvores caídas”, ou “comer do morto” não é ético, senador Petro.

O deslinde que faz com sua dignidade e sua memória Don Enrique Petro, o vigoroso campesino, não caindo nas armadilhas de uma democracia de ficção que o estafou, cortando ele agora, com seu coração e seu direito, a palma para agronegócios dos paramilitares, pode conduzi-lo à morte.

O deslinde que com sua debilitada memória comete o senador Petro, pode conduzir outros a morte, pelo fato de ficar marcados se não condenam um direito dos povos, como é o da rebelião, conforme o requerimento tosco do senador. Oxalá igual ardor tivesse brilhado na exortação que nunca houve a Maria Emma Mejía ou a Carlos Vicente de Roux para que fizessem pública retratação por seu passado cúmplice.

Não caberia dizer que ao senador Petro faltem bases para nobres ideais, como os que outrora lhe conduziram à insurgência, pelos quais disse o que disse. Pois bem, já o que fez o senador Petro, figurando no enxuto debate sobre o paramilitarismo, comentando o que durante anos centenas de pessoas sem câmaras de televisão e microfones em sua frente já haviam dito e pelo que pagaram com sua vida e direitos, não deveria passar de novo com um tema, a regulação da guerra e sua realidade na Colômbia. Uma árdua temática a qual ele deve participar, supostamente, como uma a mais, com plena faculdade, porém na qual não é louvável tirar proveito pessoal para sua escalada verbal e política. Tal matéria, de vital importância, não pode passar a ser patrimônio eleitoral ou estopim de uma guerra para servir-se individualmente.
Petro, o aspirante, sabe que esta questão atrai muitíssimos votos. Sobre ela sustentou-se o passageiro Uribe. Não obstante, é certo que existe uma demanda moral que não pode mais ser adiada. Com ela tem contribuído milhares de pessoas de todo o mundo, começando por aqueles e aquelas que perseveram do lado do povo colombiano, que não deve sofrer mais; as pessoas que comprendem como a rebelião nasce da necessidade de limites contra a injustiça, e por isso advogam pelos limites à rebelião quando está na prática pode arruinar valores éticos e políticos. Logo, o que Petro reivindica não é novo e nem é mais claro porque ele o vocifere. Está, faz tempo, no horizonte, também desde quando Bolívar em 1820 firmou um tratado de regulação da guerra libertadora que não o fez se ajoelhar. Há mais de uma década o ELN e as FARC olhavam para isso.

Expus aqui um artigo em junho passado: “em outro tempo o FMLN de El Salvador, entre outras insurgências, revelou suas normas próprias, seus métodos, meios e fins do combate a um sistema oprobioso. As FARC devem sem mais demora deixar explícito e público, enquanto estímulo a uma eticidade, o conjunto de regras básicas que assume, começando pelas suas, que a comprometem de plano e sobre as quais pode estabelecer-se um mínimo juízo. Não deveria contribuir para a barbárie que o negacionismo de Uribe resguarda, nem aumentar a distorção da realidade, já suficientemente desfigurada por palavras como as proferidas pelo Senador Petro, do Pólo Democrático, que, com outros de seu grupo já não apenas condena a dissensão armada, mas que refere-se às FARC uma vez e outra como “os khemeres vermelhos do Camboja sob o regime do Pol Pot”, assinalando que esta organização alçada por armas vive um processo de polpotização. Esse não é, ou não pode ser, o relato e o testemunho da rebeldia, cuja lucidez nasce dos limites infranqueáveis, sem menosprezar com ele o direito e a liberdade de lutar, apesar do cerco e da derrota. As FARC não podem olhar mais para outro lado, nem calcar o cinismo de seu inimigo, pois como organização que se diz revolucionária não pode mais ser indolente nem causar mais dano indiscriminadamente, a cidadãos comuns, não poderosos, enquanto em um país, de fome e à venda, os corruptos e assassinos vivem em plena liberdade para realizar seus negócios”.

O movimento de progressistas e daqueles que se respeitem como revolucionários e revolucionárias, dentro e fora da Colômbia, dentro e fora do Polo, daqueles que brigam por genuínas alternativas, por uma solução fundamentada em mudanças para a justiça, não podem contemplar candidamente o furto ou a transferência ao teatro da políticas de gangues, de um propósito tão definitivo, crucial e urgente. A bandeira da humanização que explica a rebeldia, e que inclui peremptoriamente a humanização da confrontação armada, deve ser alçada e defendida honradamente também pelos que não se resignam diante do regime de ignomínia que hoje encarna Uribe e outros cidadãos passageiros. Mas além de evitar cair numa cilada vergonhosa, deve assumir-se seriamente este campo, para a proposta e a ação coerente e estratégica, que dignificaria e projetaria aqueles que buscam continuar batalhando pelas transformações autênticas, ou ao menos pelas condições para resistir. Temos um exemplo em Don Enrique Petro, hoje só e no silêncio de uma propriedade com palmas para derrubar, que uma vez sorriu de nossa ironia quando lhe perguntamos se pensava que a Colômbia era uma democracia.



* Carlos Alberto Ruiz é jurista, ex assessor da Comissão Governamental para Humanização do Conflito, Colômbia



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