"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 8 de maio de 2007

Memória e transações

Para um debate mais íntegro sobre a para-política na Colômbia e as alternativas, escreve o jurista colombiano, Carlos Alberto Ruiz. “À para-política e sua complexidade, ainda faltam alguns capítulos, entre os que deverão ser escritos já não apenas sobre o papel de políticos e empresários colombianos e estrangeiros, mas de jornalistas e de alguns pastores ou de algumas agências da igreja, que seguiram de volta à Europa a mediação que socializou grande parte das rentáveis propostas dos paras”.

A oligarquia colombiana se mantém no poder mediante a violência!


[Carlos Alberto Ruiz*]

Há uma semana, em 17 e 18 de abril, foi realizado em Bruxelas, em auditórios do Parlamento Europeu, a II Conferência Internacional sobre os Direitos Humanos na Colômbia. Doze anos depois da primeira. De 1995 a 2007, rios de sangue regaram esse país. A primeira obedeceu a necessidade de interpelar tanto ao próprio Estado colombiano, como a denominada comunidade internacional, a Europa principalmente, para ativar e comprometer os mecanismos que permitiram, entre outras necessidades, desmontar as estruturas paramilitares e o andamento da impunidade. Por esse motivo, desde 1987, o governo colombiano se armou de uma enorme capacidade discursiva e de sucessivas manobras inteligentes para contrastar aos mais graves efeitos que pudessem ter as denúncias de organismos de direitos humanos, sindicatos, vítimas e organizações internacionais. Fóruns como a Comissão de Direitos Humanos da ONU se converteram em campos de uma dialética que deveria trazer claridade entre a névoa da diplomacia.

Eduardo Umaña Mendoza foi um dos valiosos e inesquecíveis defensores de direitos humanos que ali em Genebra e em outros pontos do planeta, durante anos e através de enormes esforços, demonstrou a responsabilidade do Estado colombiano em crimes de lesa humanidade e a impunidade reinante para com uma sagaz estratégia de guerra suja. Em 1987, depois de um giro pela Europa, iniciou um debate sobra as ações e guias institucionais do paramilitarismo. Dia 18 de abril passado completamos nove anos do assassinato de Eduardo. Apenas foi lembrado publicamente lá por europeus, um deles seu amigo, o professor belga François Houtart. Para a maioria da concorrência, a referência dessa lembrança se diluiu. A memória faz o que pode não contra o esquecimento, mas contra a indiferença e às vezes contra as transações.

A memória, entre a matéria humana da qual nasce, também às vezes recapitula para exumar os nascimentos. Talvez por isso não se esqueça totalmente o domingo 19 de abril de 1998, um dia depois do assassinato de Eduardo, quando centenas de presentes às despedidas se reuniram para converter o “fazer” em “por vir”. A semana que passou inundou a política e o sonho de um cadáver que já não estava lá na Universidade Nacional, não fisicamente, ainda que tenha dado lugar a uma vertente do que logo foi chamado de algo assim como uma Frente social e política, que por sua vez deu força a outras convergências.

Precisamente, coincidente com a conferência de Bruxelas, um dos mais destacados líderes do Pólo Democrático, o senador Gustavo Petro, realizou no Congresso um debate sobre a chamada para-política: a demonstração dos nexos políticos dos círculos tradicionais com a estratégia para-militar e seus crimes. Sendo tão grave o que fora ali exposto, voltam a se remexer certas águas, depois de uma semana, conhecidas as respostas de Uribe Vélez, chefe deles, ouvido no debate, além das reações de diversos setores do país e também de fora, mas nos Estados Unidos que na Europa, que segue calando-se como sabe muito bem fazer.

O debate sobre a para-política, que ainda é um livro recém-aberto, de diversos capítulos e anexos, parece que tem essa encenação como uma espécie de epílogo, que termina o que levemente começava a descobrir-se, para o mundo todo, que é em grande parte o que há muitos anos tentavam mostrar os organismos de direitos humanos sem maior repercussão.

Se Se essa denúncia chega até a tribuna do Congresso, talvez em outras tribunas, e melhor, outros tribunais, e talvez outras trincheiras sociais, deverão mostrar o que não pode, ou não deve, continuar sendo escondido; o que dá força como relato na memória histórica para a rendição e dignificação, para processos de resistência diante de crimes e imunidades concedidas aos verdugos e aos beneficiários de uma guerra contra os movimentos populares, que ainda não se uniram ao todo.

Nesse horizonte, de umas resistências ao terror e nas afirmações e aspirações de luta, por verdade, justiça e reparação, e mais: por construir condições para as alternativas, que tantas vezes foi manifestada, agora repetido e dito na semana passada em Burxelas por Carlos Gaviria, Presidente do Pólo, que se comprometeu, como dirigente de uma força política, como representante decente de um montão de pessoas que, junto com outras fora do Pólo, em outros campos, apostam por construir um processo no qual a Colômbia possa recobrar esperanças de justiça. Ele dizia para referir-se ao deplorável curso da anti-democracia que triunfa com respaldos estrangeiros, que ela é produto de uma maquinaria de propaganda, de uma “estratégia perversa para fingir democracia”, enquanto a violação dos direitos humanos continuar.

Escutadas essas palavras, acompanhadas da promessa de constituir uma força política não-contaminada, lembrados os esforços de centenas de mulheres e homens assassinados por fazer frente à esse regime, vêm à mente uma memória, e a memória pergunta: há nisso um compromisso sério, que honre a um homem e a uma organização política?

Nos ensinaram que não se põe necessariamente, nem a priori, no mesmo nível penal, a quem um dia permitiram matar, e os que ordenaram e mataram (se lerem hoje a imprensa colombiana, no El Tiempo, como os para-militares “se revezavam para matar picando camponeses vivos”). Já o sabíamos. Lemos isso e lembramos daquilo. Caso se lembrem das palavras, de uma semana apenas, e do que aconteceu há anos, entre mortes, desaparecimentos e exílios, e se pergunta outra vez: onde estão hoje grande parte dos que permitiram centenas de crimes? Onde estão os que a partir de altos cargos do Estado, confeccionaram, desenvolveram e blindaram tal “estratégia perversa para fingir democracia”?

O Senador Petro ofertou uma ambígua proposta de acordo nacional pela verdade. Não se deve pedir carne ao lobo. Os políticos e empresários poderosos de hoje, que têm servido ao paramilitarismo e que têm lucrado com seus crimes, devem responder, não em tribunas, mas em trinunais, mas não é à eles que corresponde ouvir essa derrotada interpelação. É à outros, que devem assumir a questão da para-política com maior autoridade moral, empreendendo uma coerente correção ética ao seu interior.

A palavra colusão existe, e têm entre seus sinônimos: cumplicidade, conivência, contubérnio, pacto, aliança, composição. A ética para a política, demanda um debate mais fundo de todas as expressões da para-política. A condição sine qa non da guerra suja na Colômbia, da democracia genocida, como a chama acertadamente Javier Giraldo, têm sido o que Carlos Gaviria nos recorda como “estratégia perversa para fingir democracia”, a qual tem sido feita não nos postos de comando militar, mas em cômodos de despachos de funcionários civis, a maioria próximos à Casa de Nariño, em Bogotá, a metros do ouvido do presidente.

Por ali dezenas de vezes centenas e centenas de ameaçados pelos grupos paramilitares e militares, deixaram seus depoimentos e seus dias. Foram de oficina em oficina. Muitos foram assassinados ou desaparecidos. Outros tentaram salvar-se fugindo de sua região e os mais privilegiados, empreendendo um êxodo que os levaria, afinal, ao mesmo lugar. Quando se desvencilhavam da perseguição gritavam contra um sólido muro de silêncio levantado em fóruns internacionais por Governos e poderes cúmplices, em Genebra, Bruxelas, Londres ou Madrid, onde os proveitosos resultados dessa estratégia perversa se fizeram sentir, fruto da administração de um sofisticado maquinário que tenta, sem cessar, neutralizar qualquer medida contundente contra o regime de terror que se protege na ficção de democracia.

Por isso se pergunta, sobre a para-política, em todas as suas formas; a nove anos do assassinato de Eduardo Umaña; a uma semana da declaração de Carlos Gaviria em Bruxelas e do debate de Petro no Congresso de Bogotá; e há mais de doze ou dez anos de eficazes capmapnahs do Governo colombiano. Se pergunta: onde estão as palavras que reconhecem o erro e o horror e com as que se pode pedir perdão às vítimas por dezenas de omissões eficiente que fizeram possível a entronização do paramilitarismo e da impunidade? Onde está a ética que mira ao futuro, de pessoas do Pólo Democrático Alternativo que cumpriram altas e importantes gestões funcionais à política de um Estado que no tempo de seus mandatos consumou a estratégia de genocídio e de impunidade?

Se busca, no entanto não se vê em nenhuma parte, declarações de desculpas, por exemplo de Carlos Vicente de Roux, nada menos que o Conselheiros Presidencial de Direitos Humanos dos presidentes Gaviria e Samper, ou de Maria Emma Mejía, Chanceler desse último, ambos hoje destacados políticos do Pólo. A memória evoca, desenterra e reconstrói centenas de casos em que era possível ver não só o seu desplante, mas o cinismo de suas ações no marco da perversão do sistema de impunidade que os contratava. Camponeses, sindicalistas, indígenas, ativistas sociais, defensores de direitos humanos, que com sua digna luta sobrevivem às conseqüências desse arrasamento, não esquecem a infâmia do ofício de quem se ocupou em encobrir essa para-política.

À para-política e sua complexidade, ainda faltam alguns capítulos, entre os que deverão ser escritos já não apenas sobre o papel de políticos e empresários colombianos e estrangeiros, mas de jornalistas e de alguns pastores ou de algumas agências da igreja, que seguiram de volta à Europa a mediação que socializou grande parte das rentáveis propostas dos paras

A suposta boa lição de discrição aprendida, das três mãos sábias, que com as mãos se tapam os olhos, os ouvidos e a boca, deve ser minada pela lucidez e a honradez de uma memória para as alternativas. “Não viam”, “não ouviam”, “não falavam”. Mas falavam sim. Temos os discursos do ex-conselheiro presidencial de Roux ou da ex-chanceler Mejía e de vários outros, e as terríveis desculpas que beneficiaram ao Estado, em uma época de crimes atrozes. O silêncio de então, quando sua defesa aberta de uma lógica de esquivadas e desvios que souberam transmitir de seus cargos civis, deve inverter o valor moral daquela máxima: “Somos donos de nossos silêncios e escravos de nossas palavras”. Eles, os que transgrediram e cometeram crimes a partir do Estado, são escravos de seus silêncios. Bertrand Russell se referiu aos “criminalmente ignorantes da coisas que têm o dever de saber”. E também que “é impossível manter a dignidade sem a coragem para examinar esta perversidade e opor-se à ela”.

Tomamos nota de suas importantes palavras, doutor Gaviria, não para um amanhã distante, mas para o dever de um hoje que forja cumplicidades ou rupturas, sem meias palavras (quando em Medellín acabam de matar um militante do Pólo), e do estado de um debate, Senador Petro, que sugere que é possível sim conhecer a verdade, emendar com humildade e aportar ao esclarecimento mostrando, aos que conhecem, por havê-los utilizado, que mecanismos têm feito possível a barbárie e a impunidade que hoje nos repugna.

* Jurista colombiano, defensor de direitos humanos

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